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Doença renal crônica: causas, sintomas, diagnóstico e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
30/10/2023
 · 
Atualizado em
30/10/2023
Índice

A Doença Renal Crônica (DRC) é uma condição caracterizada pela deterioração progressiva da função renal ao longo do tempo e chega a afetar 10 milhões de brasileiros e 850 milhões de pessoas no mundo. Como os rins possuem funções importantíssimas como excreção de toxinas, controle da pressão arterial e regulação do pH sanguíneo, diversas limitações acompanham o indivíduo com DRC.

Para haver o correto manejo, é de extrema importância o entendimento do nível de dano renal de cada paciente, aplicando-se diferentes métodos terapêuticos. Nos últimos estágios da DRC (falência renal) há necessidade de hemodiálise e até transplante renal, o que diminui substancialmente a qualidade de vida dos pacientes.

O que é a Doença Renal Crônica?

A Doença Renal Crônica é definida como uma lesão renal em um período > 3 meses. Essa lesão pode ser verificada através da redução da Taxa de Filtração Glomerular (TFG<60ml/min/1,73m²) ou evidenciada em outros exames (proteinúria, sedimentos urinários, histopatológico alterado, deformações anatômicas presentes em USG), mesmo que o TFG esteja normal.

Como calcular a Taxa de Filtração Glomerular (TFG)?

A melhor maneira de avaliar a TFG seria com uma substância que não é produzida pelo nosso organismo e que não sofre os processos de reabsorção, secreção e metabolização renal. Por isso, a substância ideal para esse cálculo seria a inulina, já que em um rim perfeitamente funcionante, 100% da inulina que “entrasse” seria filtrada e excretada.

No entanto, na prática, utilizamos a creatinina, um metabólito do tecido muscular. Com o nível de creatinina no sangue, conseguimos determinar a TFG através da fórmula de Cockcrof-Gault (menos específica) ou por calculadoras digitais como a CKD-EPI (mais específica e mais utilizada) e MDRD.

Fórmula de Cockcroft-Gault para cálculo da TFG. Fonte: UNASUS link:  https://moodle.unasus.gov.br/vitrine29/pluginfile.php/6064/mod_resource/content/1/ebook/28.html
Fórmula de Cockcroft-Gault para cálculo da TFG. Fonte: UNASUS

Como alternativa para a creatinina para calcular a taxa de filtração glomerular, têm-se a cistatina C, que pode ser superior em pacientes em extremos de idade, com hepatopatias, alta taxa de massa muscular ou desnutrição.  

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Causas da Doença Renal Crônica

A Doença Renal Crônica pode ser causada por uma variedade de fatores e condições médicas. As causas mais comuns incluem Hipertensão Arterial e Diabetes. Outras possíveis causas são pielonefrite crônica, litíase, lúpus, progressão de insuficiência renal aguda e glomerulonefrites, vasculites, abuso de AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) e uropatia obstrutiva.

Identificar a causa da DRC é necessário, pois o primeiro passo para evitar sua progressão é tratar a etiologia base.

Quadro Clínico

As repercussões clínicas da Doença Renal Crônica são muitas e são decorrentes da perda da funcionalidade dos rins, onde há menor capacidade de filtração e excreção de toxinas, menor produção de hormônios (eritropoetina) e retenção hídrica (hipervolemia) e de eletrólitos que impedem o equilíbrio ácido-base do sangue.

Uremia

Os sintomas urêmicos são decorrentes da redução da excreção de metabólitos, que em excesso, tornam-se tóxicos. Importante lembrar que não é devido apenas ao acúmulo de ureia e creatinina (são apenas marcadores), mas de várias outras substâncias. A toxicidade leva a náuseas, vômitos, perda de apetite, sonolência e confusão mental.

Anemia 

Ocorre pela menor produção de eritropoetina, hormônio que estimula a eritropoiese e gera fadiga, anorexia e palidez. Sendo assim, a anemia na Doença Renal Crônica é do tipo normocrômica-normocítica. No entanto, a falta de apetite e outros sintomas gastrointestinais podem levar a uma certa desnutrição e carência de ferro, vitamina B12 e ácido fólico, componentes essenciais para a eritropoiese.

Distúrbios hidroeletrolíticos

A menor taxa de excreção de ácidos, eletrólitos e água, leva a hipervolemia, hipercalemia e acidose metabólica. O manejo desses distúrbios será visto no próximo tópico, sendo de extrema importância para a melhora da qualidade de vida do paciente.

Distúrbio Mineral Ósseo 

A redução da TFG acarreta em hiperfosfatemia. Como o fosfato é um natural quelante do cálcio, no sangue ocorre diminuição da concentração de cálcio. A hipocalcemia leva ao estímulo das paratireoides, gerando um hiperparatireoidismo secundário (altos níveis de paratormônio – PTH). O PTH então remove cálcio dos ossos, o que aumenta o risco de fraturas.

Além disso, como os rins não conseguem produzir vitamina D suficiente, a absorção de cálcio no intestino fica dificultada.

Doenças Cardiovasculares

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no paciente com essa doença. A maioria falece por um evento cardiovascular (Insuficiência cardíaca, Infarto Agudo do miocárdio, morte súbita) antes de chegar nos últimos estágios da doença e necessitar de hemodiálise.

A manifestação mais comum é a hipertensão arterial (pela retenção hídrica-eletrolítica), mas outras condições aumentam o risco cardiovascular do paciente, como estado inflamatório generalizado (lesão endotelial e consequente hipercoagulabilidade), dislipidemia, calcificações vasculares, pericardite e hipertrofia do ventrículo esquerdo (devido a hipertensão).

Outros sintomas

A disfunção eletrolítica também gera outros sintomas, como xerose, prurido, disfunção sexual, incapacidade de concentração, câimbras musculares e neuropatia periférica.

Principais alterações clínicas da DRC. Fonte: Insuficiência renal crônica e diálise – Raghu V. Durvasula – Jonathan Himmelfarb | MedicinaNET  link: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/acp-medicine/5400/insuficiencia_renal_cronica_e_dialise_%E2%80%93_raghu_v_durvasula_%E2%80%93_jonathan_himmelfarb.htm
Principais alterações clínicas da DRC. Fonte: Insuficiência renal crônica e diálise – Raghu V. Durvasula – Jonathan Himmelfarb | MedicinaNET  

Diagnóstico e Estadiamento da Doença Renal Crônica

A Doença Renal Crônica é diagnosticada pela redução da TFG (<60) ou por alterações em outros exames (de urina ou de imagem) por mais de 3 meses. Ela é frequentemente classificada em cinco estágios de acordo com a TFG, que mede a capacidade dos rins de filtrar o sangue. Esta classificação ajuda a determinar a gravidade da doença e a guiar as opções de tratamento. 

  • G1 (estágio 1): TFG normal
  • G2: A TFG é ligeiramente reduzida, indicando lesão renal.
  • G3: A TFG é moderadamente reduzida. Os sintomas se tornam mais evidentes, e há maior risco de complicações.
  • G4: A TFG é significativamente reduzida, e os pacientes estão em alto risco de insuficiência renal. Tratamentos renais substitutivos, como a diálise, podem se tornar necessários.
  • G5: Este é o estágio mais grave, com uma TFG muito baixa ou inexistente. A insuficiência renal é evidente, e o paciente requer tratamento renal substitutivo, como diálise ou transplante renal.

No entanto, para definir o prognóstico real do paciente e o risco de progressão da doença para falência renal, utilizamos a classificação da TFG em conjunto com a taxa de albuminúria, como podemos verificar no diagrama de estadiamento da KDIGO (Kidney Disease Global Outcomes) abaixo.

Estadiamento DRC. Fonte: Manual de Medicina Harrison 20ª edição
Estadiamento DRC. Fonte: Manual de Medicina Harrison 20ª edição

Indivíduos que se encontrarem na zona verde possuem baixo risco de progressão da doença renal; na zona amarela: risco moderado; zona laranja: risco alto; e na zona vermelha, risco muito alto de progressão para falência renal.

USG renal sem alterações, onde há boa diferenciação entre córtex (hipoecogênico) e medula (hiperecogênico). Fonte: Radiopaedia
USG renal sem alterações, onde há boa diferenciação entre córtex (hipoecogênico) e medula (hiperecogênico). Fonte: Radiopaedia

Possíveis alterações no exame de imagem de doentes renais crônicos são: tamanho renal reduzido, afilamento do córtex e perda da diferenciação entre córtex e medula renal no USG. O rim na Doença Renal Crônica pode apresentar tamanho normal ou aumentado nos casos de doença policística renal, anemia falciforme, nefropatia obstrutiva ou por HIV, diabetes, amiloidose ou esclerodermia.

USG renal com alterações, onde há perda da diferenciação entre córtex e medula renal (ecogenicidade semelhante). Fonte: Radiopaedia 
USG renal com alterações, onde há perda da diferenciação entre córtex e medula renal (ecogenicidade semelhante). Fonte: Radiopaedia 

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Tratamento da Doença Renal Crônica

O tratamento visa retardar a progressão da doença (tratar a causa base, reduzir proteinúria, controlar a pressão, usar nefroprotetores e corrigir a acidose metabólica) e melhorar qualidade de vida dos pacientes (manejar os sintomas, cessar tabagismo, corrigir anemia).

Tratamento da causa base

O tratamento da causa base é essencial para impedir o avanço da doença. Logo, é necessário o correto manejo da hipertensão, diabetes, lúpus, vasculites ou outras etiologias que possam ter levado o indivíduo a desenvolver a Doença Renal Crônica.

Uso de iSGLT2

No ensaio clínico EMPA-KIDNEY foi comprovado que o uso de ISGLT2 (inibidores do cotransportador 2 da Glicose Sódica), como a empaglifozina, reduziu em 28% o risco de progressão da doença e de mortes por motivo cardiovascular de pacientes com ou sem diabetes.

Controle da Hipertensão Arterial Sistêmica

O alvo da pressão arterial nos indivíduos com o problema é de 130x80 mmHG. Para isso, recomenda-se a restrição de sal e uso de anti-hipertensivos, de preferência IECAs (inibidores da enzima conversora de angiotensina) ou BRAs (bloqueadores dos receptores de angiotensina). Além de seu efeito anti-hipertensivo, os IECAs e BRAs auxiliam no retardo do declínio da função renal e reduzem a taxa de proteinúria.

O IECA ou BRA devem ser suspensos caso haja um aumento de 30% da concentração de creatinina durante as primeiras 8 semanas de uso. Se houver hipercalemia, recomenda-se o uso concomitante de furosemida e metolazona, para que haja maior excreção de potássio (visto que os IECAs e BRAs podem reter), mas caso a condição seja refratária a essas medidas, eles devem ser suspensos. 

Nos casos de contraindicação, o verapamil é uma boa opção de anti-hipertensivo e que também possui ação nefroprotetora e anti-proteinúrica. 

Acidose Metabólica

Quando o HCO3- estiver < 22 meq, realizar suplementação com bicarbonato de sódio, pois foi verificado que esta conduta retarda a progressão da doença, visto que até as acidoses leves podem levar a maior catabolismo proteico. 

Uremia

Os sintomas urêmicos são controlados na maioria dos casos com restrição de proteínas na dieta (até 0,8 g/kg/d), se não for suficiente, talvez a hemodiálise seja necessária para aliviar os sintomas.

Distúrbio Mineral Ósseo

Para evitar a hiperfosfatemia, recomenda-se uma dieta com pouco fosfato e uso de quelantes do fosfato (se P>4,5), como carbonato de cálcio, sevelamer e lantano. Estes dois últimos não geram hipercalcemia rebote e conseguem reduzir a deposição de cálcio nos vasos.

O calcitriol (vitamina D) não é tão recomendado pelo risco de hipercalcemia. No entanto, análogos do calcitriol (Paricalcitol) podem ser indicados (se 25-OH-vitD< 30) para suprimir a produção de PTH. O cinacalcete também pode auxiliar na redução dos níveis de PTH.

Anemia

O alvo da hemoglobina nestes pacientes é de 10mg/dl. Em casos de Hb mais baixa, recomenda-se a utilização de Agentes Estimuladores da Eritropoiese (AEE) ou eritropoetina (EPO), uma vez descartada causas carenciais (ferro, ácido fólico e vitamina B12). 

Desequilíbrios hidroeletrolíticos

Para manter uma euvolemia, recomenda-se a restrição de sal na dieta, podendo se utilizar furosemida, algumas vezes em combinação com metolazona. Em casos de hipercalemia, é preciso restringir o potássio da dieta, evitar IECAs e BRAs e utilizar poliestireno de sódio, se refratária a essas medidas, considerar diálise.

Estágios avançados da Doença Renal Crônica

Em estágios avançados, a diálise pode ser necessária para substituir a função renal. Existem dois tipos principais de diálise: hemodiálise e diálise peritoneal. Apesar de a diálise conseguir substituir algumas funções renais, o transplante renal é a opção mais eficaz para restaurar a funcionalidade do órgão.

Conclusão

A Doença Renal Crônica é uma condição médica complexa e progressiva que afeta uma parcela significativa da população mundial. O diagnóstico precoce, a identificação das causas subjacentes e o tratamento adequado são cruciais para retardar a sua progressão e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. 

À medida que a pesquisa continua avançando, novas abordagens terapêuticas e estratégias de tratamento continuam a emergir, oferecendo esperança para aqueles que vivem com a doença. Portanto, a educação contínua e o acesso a cuidados médicos de alta qualidade desempenham um papel crucial na abordagem da Doença Renal Crônica.

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