Clínica Médica
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Amiloidose: tipos, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
24/4/2025
 · 
Atualizado em
24/4/2025
Índice

A amiloidose é um grupo de doenças caracterizadas pelo acúmulo anormal de proteínas fibrilares, chamadas amiloides, em diversos tecidos. É uma doença rara, mas que pode levar a disfunções graves e progressivas, dependendo da localização e da extensão do acúmulo proteico. Por isso, é de fundamental importância identificar os pacientes com suspeita para desenvolver a doença.

O que é amiloidose?

A amiloidose é um termo utilizado para designar um grupo de distúrbios de enovelamento de proteínas poliméricas insolúveis, que são depositadas em tecidos e órgãos. Essas proteínas formam fibrilas, que interferem na função normal dos tecidos e órgãos afetados, resultando em comprometimentos variados. 

Fisiopatologia

Ilustração da fisiopatologia da amiloidose
Ilustração da fisiopatologia da amiloidose. Fonte: Amyloidosis support.org 

A fisiopatologia da amiloidose baseia-se no mau dobramento proteico e na subsequente deposição de fibrilas amiloides nos tecidos. Essas fibrilas podem ser derivadas de diferentes proteínas precursoras, como a cadeia leve de imunoglobulina (AL), transtirretina (ATTR), proteína A amiloide sérica (AA) e outras. 

Assim, a origem da proteína amiloide é diversa, e a doença pode apresentar manifestações localizadas ou sistêmicas, a depender do(s) órgão(ãos) acometido(os). Dessa forma, sua deposição provoca lesão tecidual, inflamação e disfunção orgânica progressiva.

Existe um grande maquinário celular para auxilar na conformação correta das proteínas e na eliminação das proteínas incorretamente enoveladas. Todavia, mutações genéticas e processamentos incorretos dessas proteínas podem promover sua deposição ou dificultar sua eliminação do meio extracelular.

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Tipos de amiloidose

As amiloidoses podem ser classificadas em sistêmicas ou localizadas, adquiridas ou hereditárias, e pelos seus padrões clínicos. A nomenclatura utilizada para descrever os tipos é AX, com a letra “A” referente à amiloidose e o “X” representando a proteína presente na fibrila. Neste texto, será dado ênfase na forma sistêmica, mais especificamente, na forma AL, uma vez que essa é a forma mais comum.

Assim, a sigla AL se refere à amiloide decorrente da deposição de cadeias leves de imunoglobulina nos tecidos. Essas são produzidas por uma população clonal de células B, ou devido a um distúrbio dos plasmócitos na medula óssea que produzem essas imunoglobulinas. 

Ilustração da fisiopatologia da amiloidose AL
Ilustração da fisiopatologia da amiloidose AL. Fonte: Amyloidosis support.org

Amiloidose AL

A amiloidose AL era  anteriormente chamada de amiloidose sistêmica primária e, como mencionado anteriormente, é a forma mais comum de amiloidose sistêmica. Acomete 1 a cada 1 milhão de pessoas por ano. Para mais, por decorrerem da formação de células clonais produtoras de imunoglobulinas, estão associadas ao mieloma múltiplo (15%) e à macroglobulinemia de Waldestron.

Amiloidose por transtirretina (ATTR)

Já a ATTR é a mais prevalente entre as amiloidoses familiares. Acomete < 1 a cada 1 milhão de pessoas por ano, e decorre do amiloide derivado da proteína transtirretina (TTR), a proteína de transporte do hormônio tireoidiano e a proteína de ligação do retinol. Manifesta-se comumente com polineuropatia amiloidótica familiar ou cardiomiopatia amiloidótica familiar.

Proteína amiloide AA, proteína amiloide Aβ2M e amiloidose Aβ

Para além desta, a proteína amiloide AA é composta por proteína reativa de fase aguda, e acomete indivíduos com quadro de doença crônica ou infecções crônicas, sendo anteriormente chamada de amiloidose secundária. Já a proteína amiloide Aβ2M decorre do enovelamento incorreto das β2-microglobulinas, que acometem doentes renais crônicos submetidos à diálise ao longo de vários anos.

Por fim, a , a forma mais comum de amiloidose localizada, pode ser evidenciada no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer.

Sintomas de amiloidose

“Sinal do guaxinim”,  evidenciado pelas equimoses periorbitárias
“Sinal do guaxinim”,  evidenciado pelas equimoses periorbitárias. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2022

Na amiloidose AL, a presença de sintomas inespecíficos, como a fadiga e a perda de peso, são comuns. O órgão mais comumente afetado são os rins (70% a 80%), e seu acometimento pode manifestar-se pela proteinúria, frequentemente nefrótica, associada a hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia secundárias, bem como por edema/anasarca.

Para mais, o acometimento cardíaco é a principal causa de morte na amiloidose AL. Os pacientes podem apresentar fadiga, dispneia e edema de membros inferiores. E mais, angina, síncope e anasarca nos casos de doença avançada. Entretanto, a fração de ejeção e a área cardíaca estão comumente dentro da normalidade no ecocardiograma.

E mais, os sintomas de sistema nervoso incluem neuropatia sensitivo motora periférica e/ou disfunção autonômica, que se manifesta pelos distúrbios de motilidade (saciedade precoce, diarreia, constipação...), ressecamento dos olhos e da boca, impotência, hipotensão ortostática e/ou bexiga neurogênica.

Além disso, a macroglossia é um sinal característico da amiloidose AL, evidenciada em 10% dos pacientes. O comprometimento hepático pode levar a colestase e hepatomegalia. E mais, o paciente pode apresentar diversas equimoses pelo corpo, especialmente ao redor dos olhos, devido ao acúmulo de proteínas amiloides nos vasos sanguíneos e na ligação destas com o fator X.

Imagem mostrando a macroglossia
Macroglossia. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2022

A distrofia ungueal também pode estar presente, bem como a alopécia e a artropatia amiloide com espessamento das membranas sinoviais dos punhos e ombros.

Imagem mostrando a distrofia ungueal
Distrofia ungueal. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2022

Diagnóstico

O diagnóstico da amiloidose precisa ser considerado em todos os pacientes com nefropatia inexplicada, miocardiopatia - especialmente se disfunção diastólica - ou neuropatias. Além disso, também deve ser considerado em pacientes com enteropatia ou com achados clínicos característicos (macroglossia, equimoses periorbitárias).

Para todos os pacientes com suspeita de amiloidose, os seguintes exames devem ser solicitados:

DESIGNAÇÃO PRECURSOR SÍNDROME CLÍNICA ENVOLVIMENTO CLÍNICO
AL Cadeia leve de imunoglobulina Primária ou associada ao mieloma Qualquer
AH Cadeia pesada de imunoglobulina Variante rara da forma primária ou associada ao mieloma Qualquer
AA Proteína amiloide A sérica Secundária; reativa. Renal, cardíaco, outros
Aβ2M β2-Microglobulina Associada à hemodiálise Tecido sinovial, ossos
ATTR Transtirretina Familiar (mutante)
Associada ao envelhecimento (tipo selvagem)
Cardíaco, nervos periféricos e autonômicos, tecidos moles, coluna vertebral, bexiga
AApoAI Apolipoproteina AI Familiar Hepático, renal
AApoAII Apolipoproteína AII Familiar Renal
AGel Gelsolina Familiar Córnea, nervos cranianos, pele, renal
AFib Fibrinogênio Aα Familiar Renal, vascular
ALys Lisozima Familiar Renal, hepático
ALECT2 Fator quimiotáxico leucocitário 2 Não definida Renal
EXAMES INICIAIS NA INVESTIGAÇÃO DA AMILOIDOSE
Hemograma, proteína C- reativa, velocidade de hemossedimentação
Função renal e eletrólitos, proteinúria de 24 horas (> 0,5 g/dia, predomínio de albumina) e clearance de creatinina.
TP, TTPa. Se sangramento anormal ou alteração no coagulograma, solicitar dosagem de fator X (pode haver deficiência de fator X adquirida por sua ligação às proteínas amiloides)
Se cardiomiopatia: ECG, ecocardiograma (espessura de septo > 12 mm) e raio-X de tórax. RNM cardíaca pode ser útil. NT-pró-BNP e troponina T são úteis para avaliação do prognóstico.
Se acometimento do sistema endócrino: TSH e cortisol.
Se sintomas neurológicos: eletroneuromiografia.
Se envolvimento pulmonar: provas de função pulmonar.

O diagnóstico é  firmado através da biópsia do tecido envolvido, entretanto, os depósitos de proteína amiloide podem ser encontrados em qualquer local do corpo. Assim, pode-se realizar a biópsia do tecido adiposo abdominal, que é positiva em cerca de 80% dos pacientes com amiloidose sistêmica. 

Ilustração sobre como é realizado a coleta e análise da biópsia para o diagnóstico de amiloidose
Ilustração sobre como é realizado a coleta e análise da biópsia para o diagnóstico de amiloidose. Fonte: Amyloidosis support.org

Quando essa biópsia é negativa, biópsias mais invasivas dos rins, coração, fígado, língua ou trato gastrointestinal podem ser realizadas. Os depósitos amiloides, ao serem corados com  coloração vermelho do Congo e colocados no microscópio de luz polarizada, apresentam uma birrefrigerância em “verde-maçã”

Biópsia renal corada com vermelho do Congo, visualizada por microscópio de luz polarizada. As setas apontam para a birrefrigerância em “verde-maçã” dos depósitos amiloides no órgão
Biópsia renal corada com vermelho do Congo, visualizada por microscópio de luz polarizada. As setas apontam para a birrefrigerância em “verde-maçã” dos depósitos amiloides no órgão. Fonte: UpToDate, 2024

Após ser identificada a proteína amiloide, o seu tipo precursor precisa ser determinado através da imuno-histoquímica, imunomicroscopia eletrônica ou através da extração e análise bioquímica. Além disso, o sequenciamento gênico pode ser utilizado para avaliar amiloidose hereditária.

Algoritmo para o diagnóstico da amiloidose e para a determinação do tipo. GI: Gastrointestinal; IHQ: imunohistoquímica
Algoritmo para o diagnóstico da amiloidose e para a determinação do tipo. GI: Gastrointestinal; IHQ: imunohistoquímica. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2022

Tratamento para amiloidose

Devido ao comprometimento sistêmico importante, o tempo de sobrevida médio do paciente com amiloidose AL após o diagnóstico é de 1 a 2 anos. Atualmente, as terapias têm ênfase nos plasmócitos clonais da medula óssea, utilizando-se as abordagens empregadas no mieloma múltiplo.

Assim, o tratamento medicamentoso consiste no uso oral da melfalana e da prednisona/dexametasona, com o objetivo de reduzir as cargas de plasmóticos. Entretanto, esse esquema raramente leva a remissão terapêutica. Por isso, prefere-se o esquema intravenoso com melfalana intravenosa em doses altas, seguida de transplante autólogo de células tronco, produzindo respostas hematológicas completas em até 40% dos pacientes.

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Entretanto, pacientes com baixa performance status, múltiplas comorbidades e envolvimento de 3 ou mais órgãos, bem como pacientes com cardiomiopatias avançadas, não são candidatos ao transplante. Assim, esses indivíduos podem se beneficiar de tratamentos com a dexametasona associada a bortezomide, ciclofosfamida, melfalana, talidomida ou a lenalidomida.

Já para os outros tipos de amiloidose, como a AA, são necessárias terapias direcionadas para as desordens inflamatórias ou infecções sistêmicas. E mais, nas formas hereditárias, podem ser necessários transplante de órgãos sólidos. Por isso, fica evidente que, para realizar o tratamento eficiente da amiloidose, é de fundamental importância o reconhecimento do seu subtipo.

Conclusão

A amiloidose é uma doença complexa e desafiadora, exigindo uma abordagem multidisciplinar para seu diagnóstico e tratamento eficaz. O avanço nas terapias-alvo tem proporcionado novas esperanças para os pacientes, melhorando sua qualidade de vida. Assim, é imprescindível a identificação precoce das manifestações da doença, afim de realizar intervenções precoces e otimizadas.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • GOVERIC, P. D. Overview of amyloidosis. UpToDate. 2024. Acesso em: 03/02/25. 
  • MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017.
  • FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2022.

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