A Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é uma condição clínica caracterizada pelo acometimento crônico da mucosa esofagiana pelo conteúdo gastroduodenal, resultando em sintomatologias clássicas, como pirose e dor retroesternal. Além de lesões erosivas ou não erosivas (non-erosive reflux disease ou NERD) no epitélio do esôfago, que podem modificar a sua composição celular e predispor o paciente a complicações mais graves.
Epidemiologia
A DRGE é uma das afecções clínicas mais prevalentes na medicina, sendo as suas queixas umas das mais relatadas nas consultas médicas globalmente. Dentre alguns fatores de risco, os hábitos alimentares quanto à ingestão de alimentos gordurosos e de lenta absorção, possibilitam a sua maior incidência e, dessa forma, a população ocidental tem maior prevalência que a oriental (25% contra 6%). Em um estudo brasileiro realizado em 2005 com 13 mil pacientes, cerca de 12% relataram possuir os sintomas típicos da doença.
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Etiopatogenia
Os mecanismos fisiopatológicos da DRGE não são muito bem definidos quanto à sua intensidade necessária para o desenvolvimento da doença. Contudo, entende-se que diferentes fatores contribuem para o refluxo patológico do conteúdo gástrico. Isto é, podemos entender que uma disfunção do esfíncter esofagiano inferior (EEI) ou até mesmo sua hipotonia associado com retardo da atividade absortiva gástrica podem causar o refluxo.
Além disso, a ausência da motilidade unidirecional esofágica adequada, a qual também permite a neutralização da acidez gástrica por transportar a saliva de pH mais básico, possibilita o contato da mucosa esofágica com o conteúdo gastroduodenal. Segue alguns dos fatores que estimulam a hipotonia do EEI:
Mas quais as consequências para a mucosa esofágica?
Apesar de fatores mecânicos do EEI e a presença de junções celulares firmes no epitélio esofágico como maneiras de proteção, ou seja, como uma "barreira antirrefluxo", a existência das disfunções anteriormente mencionadas permitem o contato intermitente entre a acidez gástrica e as células do esôfago. Essas últimas, após exposição contínua, tornam-se lesionadas dando início ao processo de cicatrização epitelial, o qual possibilita a metaplasia celular e, consequentemente, a ocorrência de complicações importantes como o Esôfago de Barrett.
Sintomas de DRGE
O quadro clínico da DRGE pode ser dividido em sintomatologias típicas e atípicas, podendo esta última ser esofágica ou extra esofágica.
Sintomas típicos da DRGE
As duas queixas típicas da doença do refluxo gastroesofágico são pirose e regurgitação. A pirose é caracterizada pela queimação retroesternal que ocorre entre 30 e 60 minutos do período pós-prandial, principalmente após refeições de alimentos gordurosos ou ricos em carboidratos complexos. Já a regurgitação é o retorno do conteúdo alimentar ácido à boca ou hipofaringe.
Sintomas atípicos de DRGE
Dentre as queixas atípicas esofágicas, a dor retroesternal de origem não cardíaca é a que mais se destaca, podendo ser relatada como uma sensação de "bola na garganta". Ademais, as manifestações extra esofágicas costumam ser halitose, aftas, rouquidão, tosse crônica, asma e pneumonias de repetição.
Como fazer o diagnóstico da DRGE?
O diagnóstico da DRGE é clínico, envolvendo uma análise minuciosa por meio da anamnese em busca de fatores de risco associados e sintomatologia típica. Contudo, a ausência do quadro típico não exclui o problema. Ainda nesse âmbito, o diagnóstico presuntivo da DRGE deve ocorrer quando os sintomas típicos ocorrem 2x na semana por pelo menos 4 a 8 semanas. Tais informações são de alto valor preditivo positivo e indicam o teste terapêutico com inibidores de bomba de prótons (IBP) para confirmação diagnóstica.
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E o uso de Endoscopia Digestiva Alta (EDA)?
A EDA é um procedimento invasivo que tem por objetivo a visualização direta do esôfago através de uma câmera. Porém, sua indicação fica restrita para pacientes com sinais de alarme e outros fatores:
- História familiar de 1° grau positiva para neoplasia de TGI superior;
- Presença de hematêmese e/ou melena;
- Anemia crônica;
- Perda de peso inexplicada;
- Odinofagia/disfagia;
- Pacientes com mais de 45 anos;
- Duração de sintomas por 5 ou mais anos;
- Sintomas refratários ou ausência de resposta com o uso de IBP em dose plena.
Classificação
Com o intuito de padronizar os achados endoscópicos na DRGE, foi criada a classificação de Los Angeles que permite classificar em níveis de gravidade as erosões encontradas. Contudo, tal classificação possui a desvantagem de não incluir a análise daqueles pacientes com a forma NERD da DRGE.
Quais as complicações da DRGE?
Devido à lesão contínua do epitélio esofágico e consequente destruição vascular, corroboram com hemorragia digestiva alta, podendo se manifestar como melena ou hematêmese, e estenose péptica, sendo esta uma das principais causas benignas de estenose do esôfago (resultante da fibrose local produzida pela lesão).
Somado a isso, há possibilidade de metaplasia, na qual ocorre a substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar, configurando o Esôfago de Barrett (EB). Este último aumenta em cerca de 40x as chances de adenocarcinoma de esôfago e, por isso, exige um acompanhamento endoscópico para biópsia recorrente.
Tratamento da DRGE
Essencialmente, a terapêutica da DRGE para todos os pacientes deve ser embasada em mudanças de hábitos de vida/alimentares, como deitar apenas 2-3h após refeições, perda de peso (IMC < 25 mg/kg) e evitar fatores que relaxam o esfíncter esofagiano inferior. Além disso, o tratamento farmacológico deve ser iniciado a partir do momento de diagnóstico. Apesar da existência de antiácidos e bloqueadores H2 da histamina, sua eficiência terapêutica é inferior aos IBP 's, os quais são os medicamentos de tratamento padrão da DRGE.
Inicialmente a droga escolhida deve ser o Omeprazol 20mg/dia por 8 semanas, 30-60 minutos antes da 1° refeição do dia com posterior avaliação da resposta terapêutica. Naqueles pacientes com ausência de melhora, a dosagem deve ser ajustada, bem como dividir em duas tomadas são opções. Para pacientes com Hérnia Hiatal, o tratamento deve ser cirúrgico por meio de uma fundoplicatura à Nissen.
Conclusão
A DRGE é uma doença extremamente comum no mundo ocidental, mas com métodos terapêuticos comumente resolutivos disseminados na rotina médica. Dessa maneira, de modo a evitar complicações graves, como adenocarcinoma esofágico, é essencial o conhecimento das etiologias e do tratamento da doença do refluxo gastroesofágico.
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FONTES:
- Clinical manifestations and diagnosis of gastroesophageal in adults - UpToDate
- Approach to refractory gastroesophageal reflux disease in adults - UpToDate
- Martins MDA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho E. Clínica Médica, Volume 4: Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais. (2nd edição). Editora Manole; 2016.
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