Ginecologia e Obstetrícia
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Doença inflamatória pélvica: fatores de risco, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
12/3/2024
 · 
Atualizado em
12/3/2024
Índice

A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma patologia comum nas emergências, acometendo principalmente mulheres jovens e sexualmente ativas. A doença configura-se como uma das complicações mais relevantes das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), representando um grave problema de saúde pública, especialmente prevalente em mulheres jovens envolvidas em atividades sexuais desprotegidas

A DIP está intimamente associada a consequências significativas a longo prazo, acarretando morbidades reprodutivas, tais como infertilidade por comprometimento das trompas, ocorrência de gravidez ectópica e a persistência de dor pélvica crônica. As taxas de incidência variam na literatura, situando-se entre 9% e 20%, e apresentam aumento proporcional ao número de episódios da condição.

O que é a doença inflamatória pélvica? 

A doença inflamatória pélvica é caracterizada pela infecção aguda das estruturas do trato genital superior englobando o útero, ovidutos e ovários, frequentemente com comprometimento dos órgãos pélvicos adjacentes. Por isso, causa endometrite, salpingite, miometrite, ooforite, parametrite e/ou pelviperitonite.

Convencionalmente, a doença tem início com um agente sexualmente transmissível, que se propaga para o trato genital superior de forma espontânea ou secundária a procedimentos médicos como a inserção de DIU, biópsia de endométrio, curetagem, entre outros.

Epidemiologia e fatores de risco

A atividade sexual é o principal fator de risco para o desenvolvimento do problema, por isso, a maioria dos outros fatores estão relacionados a:

  • Múltiplos parceiros
  • Parceiro com IST
  • Relação sexual sem contraceptivo de barreira
  • Idade jovem (15 a 25 anos)
  • Condições socioeconômicas desfavoráveis
  • Quadro anterior de DIP

Os contraceptivos orais não estão relacionados à incidência de novos quadros, no entanto, parecem reduzir a chance de quadros graves. O risco de doença inflamatória pélvica em caso de dispositivos intrauterinos (DIU) limita-se principalmente às primeiras três semanas após a sua inserção e está associado à introdução física do dispositivo.

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Fisiopatologia  

A maioria das mulheres saudáveis possui uma flora vaginal que inclui diversas bactérias potencialmente patogênicas. O canal endocervical atua como uma barreira protetora, normalmente estéril, que separa o trato genital superior dos organismos presentes no ecossistema vaginal dinâmico. 

Infecções endocervicais por patógenos sexualmente transmissíveis podem comprometer essa barreira e ascender, permitindo que as bactérias vaginais acessem os órgãos genitais superiores, resultando em infecções como endometrite, salpingite, ooforite, peritonite pélvica e inflamação do estroma subjacente.

Sendo assim, cerca de 85% dos casos de DIP são causados por agentes patogênicos transmitidos sexualmente ou associados à vaginose bacteriana. A Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis são as mais frequentemente encontradas. Os demais patógenos podem ser vistos na tabela abaixo.

Microrganismos Sexualmente Transmissíveis Vírus e protozoários (Raro) Organismos Endógenos (Micoplasmas do trato genital) Bactérias anaeróbicas Bactérias facultativas (Aeróbicas)
Chlamydia Trachomatis Herpes simplex vírus Mycoplasma genitalium Bacteroides spp e fragilis Escherichia coli
Mycoplasma genitalium Trichomonas vaginalis Mycoplasma hominis Peptoestreptococcus spp. Gardnerella vaginalis
Neisseria gonorrhoeae Ureaplasma urealyticum Prevotella spp Haemophilus influenzae
Streptococcus spp e agalactieae
Agentes etiológicos de DIP: causas microbiológicas. Fonte: Ministério da Saúde

Sintomas de doença inflamatória pélvica 

O curso da apresentação da doença inflamatória pélvica é tipicamente agudo, mas também pode ocorrer de forma indolente com sintomas pélvicos leves e vagos até dor intensa associada a abscesso tubo-ovariano e, raramente, sepse

A DIP sintomática aguda é caracterizada pelo início de dor abdominal inferior ou pélvica (geralmente bilateral), podendo ser simétrica ou assimétrica, sensibilidade nos órgãos pélvicos e evidência de inflamação do trato genital. 

Os sintomas clássicos da DIP sintomática envolvem dor hipogástrica, dor a mobilização do colo cervical e dor a palpação anexial durante o exame pélvico bimanual. Os sintomas como sensibilidade de rebote, febre e diminuição dos ruídos intestinais tendem a ser mais proeminentes em casos mais graves.

O início recente de dor que piora durante o coito ou com movimentos bruscos pode ser o único sintoma de apresentação, acometendo um terço das pacientes. O surgimento da dor durante ou imediatamente após a menstruação é especialmente indicativo. Outras queixas inespecíficas incluem frequência urinária e corrimento vaginal anormal.

A maioria das mulheres apresenta doença leve a moderada e apenas uma minoria desenvolve peritonite ou abscesso pélvico, que geralmente se manifestam por dor mais intensa, maior sensibilidade ao exame físico e sintomas sistêmicos como febre. Em algumas mulheres, o processo inflamatório pode estender-se à cápsula hepática e causar peri-hepatite conhecida como síndrome de Fitz-Hugh Curtis.

Além disso, a presença de corrimento endocervical purulento e/ou corrimento vaginal é comum, embora a lateralização significativa da sensibilidade anexial seja mais rara em casos de doença inflamatória pélvica leve a moderada.

Diagnóstico  

O diagnóstico clínico de DIP é feito a partir de uma lista de critérios maiores, menores e elaborados. Para o diagnóstico é necessária a presença de: 

  • Três critérios maiores + um critério menor 

OU

  • Um critério elaborado
CRITÉRIOS MAIORES
Dor hipogástrica
Dor a palpação dos anexos
Dor a mobilização do colo uterino
CRITÉRIOS MENORES
Temperatura axilar >37,5°C ou temperatura retal >38,3°C
Conteúdo vaginal ou secreção endocervical anormal
Massa pélvica
Mais de 10 leucócitos por campo de imersão em material de endocérvice
Leucocitose em sangue periférico
Proteína C reativa ou velocidade de hemossedimentação – VHS elevada
Comprovação laboratorial de infecção cervical por gonococo, clamídia ou micoplasmas
CRITÉRIOS ELABORADOS
Evidência histopatológica de endometrite
Presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas em estudo de imagem
Laparoscopia com evidência de DIP

A DIP ainda pode ser classificada em estágios segundo os estádios de Monif para conduzir o nosso tratamento:

  • Monif 1 – Salpingite sem peritonite
  • Monif 2 – Salpingite com peritonite
  • Monif 3 – Oclusão tubária/ abscesso tubo ovariano íntegro 
  • Monif 4 – Abscesso tubo-ovariano roto

Diagnóstico diferencial

Os principais diagnósticos diferenciais de DIP incluem:

  • Gravidez ectópica
  • Apendicite aguda
  • Infecção do trato urinário
  • Litíase ureteral
  • Torção de tumor cístico de ovário
  • Torção de mioma uterino
  • Rotura de cisto ovariano
  • Endometriose 
  • Diverticulite

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Tratamento da doença inflamatória pélvica 

O tratamento deve ser conduzido a partir de um fluxograma, a fim de compreender se o paciente deve ser tratado via ambulatorial ou hospitalar. Os cenários em que é necessário o internamento são os seguintes:

  • Abscesso tubo-ovariano, gravidez
  • Falta de melhora clínica após 72 horas de antibioticoterapia oral
  • Intolerância a antibióticos por via oral ou dificuldade no acompanhamento ambulatorial
  • Estado geral comprometido com náuseas, vômitos e febre
  • Dificuldade em descartar emergência cirúrgica (como apendicite ou gravidez ectópica).

De forma geral, pacientes a partir do estádio 2 de Monif devem ser hospitalizadas. Além disso, aquelas com abscesso tubo-ovariano roto, devem ser submetidas a procedimento cirúrgico.

Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)
Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)

A escolha do antibiótico também dependerá do local de condução do tratamento, conforme a tabela abaixo. A administração por via parenteral deve ser interrompida 24 horas após o desaparecimento dos sintomas, enquanto o tratamento antimicrobiano oral deve ser mantido por um período adicional de até 14 dias.

Tratamento ambulatorial
Primeira opção Segunda opção
Ceftriaxona 500mg, IM, dose única
+
Doxiciclinaa 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias
+
Metronidazol 250mg, 2 comprimidos, VO, 2x/dia, por 14 dias
Cefotaxima 500mg, IM, dose única
+
Doxiciclinaa 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias
+
Metronidazol 250mg, 2 comprimidos, VO, 2x/ dia, por 14 dias
Tratamento hospitalar
Primeira opção Segunda opção
Ceftriaxona 1g, IV, 1x/dia, por 14 dias
+
Doxiciclinaa 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias
+
Metronidazol 400mg, IV, de 12/12h
Clindamicina 900mg, IV, 3x/dia, por 14 dias
+
Gentamicina (IV ou IM): 3-5mg/kg, 1x/dia, por 14 dias
Terceira opção
Ampicilina/sulbactam 3g, IV, 6/6h, por 14 dias
+
Doxiciclina 100mg, 1 comprimido, VO, 2x/dia, por 14 dias
Esquema de escolha de antibióticos em diferentes cenários de DIP. Fonte: Ministério da Saúde

A ceftriaxona será útil no controle da Clamídia, a doxiciclina para tratar o gonococo e o Metronidazol para combate de agentes anaeróbios. Os critérios para indicação cirúrgica são: instabilidade hemodinâmica, piora clínica ou resposta inadequada durante o tratamento e abscesso ≥ 7 cm.

As complicações podem ser agudas como pelviperitonite e ruptura de abscesso tubo-ovariana ou crônicas como infertilidade, maior risco de gravidez ectópica e dor pélvica crônica.

Conclusão 

De forma abrangente, o diagnóstico da doença inflamatória pélvica é clínico e deve fazer parte dos possíveis diferenciais das patologias pélvicas agudas, a fim de identificar o quadro de forma precoce e introduzir o tratamento adequado. Essas medidas são fundamentais para evitar complicações e resguardar a saúde reprodutiva da paciente.

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