Clínica Médica
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Cirrose: fisiopatologia, causas, diagnóstico e complicações

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Equipe medclub
Publicado em
28/3/2024
 · 
Atualizado em
28/3/2024
Índice

Diante do cenário de incentivo ao consumo de álcool e a sua banalização na população atual, o alcoolismo tem se tornado uma cenário cada vez mais presente e mais precoce, principalmente na população masculina, ocasionando uma relevância significativa de cirrose. Dessa forma, há uma manutenção da importância de discussão deste assunto, para além das diversas possibilidades etiológicas, dentre as quais o álcool pode não ser o fator desencadeante.

O que é Cirrose?

Cirrose é uma condição clínica definida como uma complicação crônica de inflamação e lesão hepática resultando em fibrose intra-hepática difusa associada com alteração da estrutura. Contudo, apesar de estar em um contexto de lesão contínua e prolongada, a característica de regeneração do fígado permite o encontro de centros de recuperação celular em meio às anormalidades, além de permitir sua reversibilidade em quadros iniciais apesar de incomum.

Causas de cirrose

Como mencionado, é necessário uma patologia de base crônica para que haja esse contexto de lesão e recuperação contínua. Dessa maneira, as etiologias principais envolvem o desenvolvimento de quadro hepático de esteatose com evolução para hepatite crônica e, consequentemente, cirrose. Dentre elas estão:

  • Doença hepática não alcoólica
  • Doença Hepática alcoólica
  • Hepatite C
  • Hemocromatose (excesso de ferro na corrente sanguínea)

Somadas a isso, outras etiologias são mais incomuns, mas estão envolvidos no mesmo processo fisiopatológico, como: Medicações (Isoniazida e Metotrexato); Infecções como a brucelose e a sífilis; e Doenças Biliares como a colangite esclerosante e a cirrose biliar primária.

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Fisiopatologia

Por definição, a cirrose necessita da presença de fibrose hepática com alteração de sua estrutura. Assim, para o seu desenvolvimento faz-se necessário a presença de contextos inflamatórios ou colestáticos, uma vez que podem promover lesão de hepatócitos de diversas formas, como hipóxia, lise celular ou produção de radicais livre em inflamações. Dessa forma, há uma evolução para um quadro de hepatite que promove a síntese de fibrose como seu produto final

Contudo, devido à sua capacidade regenerativa, o parênquima hepático se encontra em compensação funcional, ainda que permita a persistência do quadro de lesão celular e promova a continuidade inflamatória, até que pelo período extenso sem modificação de curso patológico, há uma maior extensão da fibrose associado com cirrose e colapso hepático funcional.

Manifestações Clínicas

Cirrose Compensada

Os sinais e sintomas da cirrose dependem do grau de lesão e da funcionalidade hepática. Isso porque, quando ainda em cirrose compensada a função hepática não se demonstra alterada e, portanto, sintomatologias inespecíficas (anorexia, náuseas, vômitos, perda de peso) se tornam os principais achados clínicos, uma vez que um inflamação hepática está presente. 

Cirrose Descompensada

No quadro de descompensação cirrótica, as manifestações tornam-se mais específicas de uma queda significativa de funcionalidade hepática. Portanto, sintomas como icterícia, prurido, ascite, queda do estado geral, eritema palmar, telangiectasia aracnóide, ginecomastia, baqueteamento digital e asterixis, são algumas das possibilidades clínicas. 

Outra manifestação, mas não tão comumente encontrada nesses pacientes, é a contratura de Dupuytren, caracterizada por uma flexão de quirodáctilos devido a um enrijecimento e encurtamento da fáscia palmar.

Demonstração dos níveis de contratura de dupuytren. Fonte: Tran Plastic Surgery 
Demonstração dos níveis de contratura de dupuytren. Fonte: Tran Plastic Surgery 

Diagnóstico de cirrose

O diagnóstico da cirrose deve ser uma combinação entre achados clínicos (anamnese e exame físico), anormalidade laboratorial e exame de imagem (principalmente ultrassonografia). 

Tendo em vista que a biópsia hepática é o método padrão-ouro, único para confirmação diagnóstica e pouco realizado na rotina médica por ser muito invasivo, a cirrose deve ser uma condição diagnosticada com base na sua suspeita. Sendo assim, foi definido através de metanálises alguns critérios que indicam alta suspeição para cirrose hepática, sendo estes:

  • Ascite
  • Plaquetas < 160.000/mm³
  • Telangiectasia aracnóide
  • Escore Bonacini > 7 (avalia: plaquetas + INR + relação TGP/TGO)

Anormalidades Laboratoriais

As alterações em exames laboratoriais tendem a surgir a partir da descompensação da função hepática em uma cirrose avançada e, por isso, alterações serão identificadas nas transaminases, bilirrubina sérica, fosfatase alcalina (FA) e gama-glutamil transferase (GGT), albumina (Alb) sérica e tempo de protrombina (TP):

Transaminases

AST (TGO) e ALT (TGP) são marcadores de lesão hepatocelular que, através de sua relação direta, indicam uma doença hepática alcoólica ou não alcoólica.

  • TGO/TGP > 1: Doença Hepática Alcoólica
  • TGO/TGP < 1: Doença Hepática não Alcoólica

Bilirrubina / FA / GGT

Aumento dos seus níveis indicam lesão hepatocelular.

Albumina sérica / TP

São indicadores específicos de função hepática de síntese e, assim, tem seus níveis alterados de acordo com a piora de funcionalidade hepática → Hipoalbuminemia e aumento do tempo de protrombina

Anormalidades hematológicas

A cirrose é caracterizada por citopenias, sendo a trombocitopenia a mais importante devido ao sequestro esplênico de 90% da massa plaquetária plasmática durante uma esplenomegalia. Ademais, leucopenia e neutropenia surgem com o hiperesplenismo.

Quais as principais complicações?

Considerando a queda importante da função hepática e a importância orgânica do fígado para diversos sistemas, bem como a presença de uma hipertensão portal, a cirrose possui consequências que variam de gravidade. Algumas das principais podem ser listadas em:

  • Ascite: baixo teor protéico
  • Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE): diretamente relacionada com a ascite e aumenta significativamente a taxa de mortalidade.
  • Encefalopatia hepática: aumento de substâncias tóxicas antes metabolizadas pelo fígado, principalmente a amônia. Asterixis é uma de suas manifestações
  • Varizes esofágicas: aumentam significativamente o risco de hemorragia digestiva alta
  • Síndrome Hepatorrenal (SHR): caracterizada por uma redução de fluxo sanguíneo para os rins devido à uma vasoconstrição da artéria renal por vasodilatação esplâncnica.

Qual o prognóstico?

Por se tratar de uma doença crônica e irreversível na maioria dos casos, a avaliação prognóstica é de extrema importância para o fornecimento de suporte ao paciente e a sua família, além de auxiliar na conduta para aqueles com maiores chances de reversibilidade do quadro. Para isso, a Classificação Child-Pugh (BEATA) permite a classificação de gravidade da cirrose, apesar de ser um método de métricas subjetivas como grau de ascite e grau de encefalopatia hepática. Veja a seguir: 

Classificação Child-Pugh (BEATA)
Parâmetros 1 ponto 2 pontos 3 pontos
Ascite Nenhuma Leve Moderada-Severa
Encefalopatia Nenhuma Leve-Moderada Moderada-Severa
Bilirrubina <2,0 2-3 >3,0
Albumina >3,5 2,8-3,5 <2,8
Tempo Protrombina 1-3 seg. 4-6 seg. >6,0 seg.
Escala de gravidade Child-Pugh: Child Pugh Classe A = 5-6 pontos | Child Pugh Classe B = 7-9 pontos | Child Pugh Classe C = 10-15 pontos. Quanto maior a pontuação, maior a gravidade. Fonte: mavink

Como avaliar a necessidade de Transplante Hepático?

Em certos pacientes, o transplante hepático é uma alternativa como uma das tentativas finais de melhora clínica do paciente. Para isso, o escore MELD é aplicado visando interpretar o risco de mortalidade individual e a consequente urgência necessária para a realização do procedimento cirúrgico. Para tanto, algumas variáveis são avaliadas:

  • INR
  • Bilirrubina
  • Creatinina
  • Sódio

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Quais as formas de tratamento possíveis?

Por se tratar de uma condição clínica consequente a uma patologia, faz-se necessário o manejo da doença de base ou de seu fator desencadeante para interromper o ciclo contínuo de dano hepático. Além disso, medidas de suporte são cruciais como, adequação de alimentação e ingesta de líquidos, além do manejo de suas complicações. 

Para pacientes com refratariedade aos métodos iniciais, algumas terapêuticas mais invasivas podem ser necessárias, a exemplo da derivação transjugular portossistêmica intra-hepática (TIPS) para manejo de hipertensão portal intensa, ou de transplante hepático como medida final naqueles com insuficiência hepática em estágio terminal ou que desenvolveram carcinoma hepatocelular.

Conclusão

Apesar do avanço nas medidas de conscientização quanto ao uso do álcool, o consumo deste produto continua extremamente disseminado e banalizado, de maneira que, independente do nível social e de educação, os quadros como cirrose e insuficiência hepática por doença hepática alcoólica ainda sejam significativamente prevalentes.
Continue aprendendo:

FONTES:

  • Cirrhosis in adults: Etiologies, clinical manifestations and diagnosis - UpToDate
  • Approach to the patient with abnormal liver biochemical and function tests - UpToDate
  • Cirrose - MSD Manuals

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