Clínica Médica
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Encefalopatia hepática: fisiopatologia, quadro clínico e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
15/1/2024
 · 
Atualizado em
15/1/2024
Índice

Em meio a uma sociedade com estilos de vida não saudáveis devido a hábitos alimentares gordurosos e alto consumo de bebidas alcoólicas, as hepatopatias tornam-se mais comuns e possibilitam maior prevalência de cirrose e de suas complicações, a exemplo da Encefalopatia Hepática.

O que é Encefalopatia Hepática?

A Encefalopatia Hepática (EH) ou Encefalopatia Portosistêmica é uma complicação neuropsiquiátrica caracterizada por modificações cognitivas e neuromusculares por disfunção e lesão orgânica do Sistema Nervoso Central. Sendo ela causada por intoxicação a partir de neurotoxinas, principalmente a Amônia (NH3), em pacientes com falha avançada da funcionalidade hepática. Nesse sentido, um distúrbio metabólico está presente e, por isso, há diferentes graus de manifestações clínicas, bem como a possibilidade de reversão do quadro. 

Fatores Desencadeantes

Apesar da intensa associação entre EH e Cirrose, alguns fatores podem coexistir com a disfunção hepática e desencadear o distúrbio metabólico capaz de aumentar a concentração sanguínea da amônia. Segue uma lista com esses principais fatores desencadeantes:

  • Modificações cerebrais ocasionadas por outros motivos (ex: álcool e Doença de Wilson)
  • Cirurgia para realização de shunt portosistêmico transjugular
  • Uso de sedativos (Benzodiazepínicos)
  • Hipoglicemia
  • Hipocalemia/ hiponatremia / hipovolemia
  • Falha renal
  • Sangramento do Trato Gastrointestinal (TGI)
  • Infecções (principalmente Peritonite Bacteriana Espontânea)

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Fisiopatologia

Apesar de ainda não ser muito bem explicada, sabe-se que dentre as diversas vias de acometimento do SNC, a presença de uma intoxicação pela amônia é a principal. Isso porque, a NH3 está constantemente na circulação sanguínea e tem grande relação com o TGI, isto é, os enterócitos no Intestino Delgado são responsáveis pela conversão de glutamina e proteína ingeridos em amônia, bem como dos aminoácidos já presentes no plasma. 

Porém, devido à hepatopatia crônica, o fígado é impossibilitado de desintoxicar o sangue pela conversão da amônia em glutamina novamente. Assim, devido à sua alta hidrofilia o NH3 atinge e atravessa a barreira hematoencefálica, gerando estresse oxidativo e reação inflamatória local.

Nesse sentido, a alta concentração de NH3 no SNC provoca lesão mitocondrial nos astrócitos com ativação de receptores mitocondriais periféricos benzodiazepínicos. Dessa maneira, ocasiona estímulo da via GABAérgica com inibição de neurotransmissão com consequente redução da atividade elétrica do sistema nervoso, além de edema cerebral.

Sinais e sintomas encefalopatia hepática 

Devido à passagem da amônia pela Barreira Hemato-encefálica, as alterações cognitivas, neuromusculares e de humor são as principais manifestações clínicas da encefalopatia hepática. Contudo, vale salientar que em cerca de 80% dos pacientes cirróticos a EH pode ser assintomática, ou seja, encefalopatia hepática mínima

Dentre os sinais e sintomas, merecem destaque: diminuição da atenção, do tempo de reação e da memória; hipersonia ou insônia; alteração de humor; bradicinesia; asterixis; hiperreflexia dos tendões profundos e bradilalia. É importante salientar que além de tais manifestações, os pacientes costumam apresentar também o quadro clínico associado à sua doença hepática de base. O vídeo a seguir demonstra quando paciente está com asterixis ou flapping:

Como ela pode ser classificada clinicamente?

Como já mencionado, devido a variabilidade na intensidade clínica dos pacientes, foi implementada a classificação de West Haven, de modo a permitir uma melhor avaliação e propiciar métodos terapêuticos mais adequados para cada quadro clínico.

Classificação de West Haven
Grau 0 ou Mínima Mudanças de comportamento ou teste neuropsicológico normal - Asterixis leve
(comumente, paciente assintomático)
Grau 1 Mudanças de comportamento, confusão leve, distúrbio de sono, fala arrastada - Asterixis leve
Grau 2 Letargia, confusão moderada - Asterixis intenso
Grau 3 Estupor, fala incoerente, dorme mas despertável - Asterixis intenso
Grau 4 Coma, irresponsivo a estímulos dolorosos - Asterixis ausente

Ademais, a classificação pode ser feita com base na frequência dos episódios da complicação. 

  • Encefalopatia hepática episódica: ocorre de forma eventual
  • Encefalopatia hepática recorrente: há repetição com 6 meses ou menos do episódio anterior
  • Encefalopatia hepática persistente: há uma continuidade das manifestações apesar da alternância entre episódios mais brandos e mais evidentes

Diagnóstico

O diagnóstico da encefalopatia hepática é essencialmente clínico, isto é, é necessário a realização da busca ativa de manifestações clínicas, bem como de seus fatores desencadeantes, durante a anamnese e o exame físico. Nesse contexto, a asterixis ou flapping torna-se de extrema relevância, por se tratar de um sinal característico da complicação, sendo facilmente identificado. 

A realização de exames laboratoriais e de imagem devem ser exclusivamente para o diagnóstico diferencial. Ademais, a dosagem sérica da amônia não é necessária para diagnosticar o problema, uma vez que seu aumento é de baixa especificidade.

Abordagem inicial ao paciente com EH

Inicialmente, é necessária uma triagem para adequar o ambiente de tratamento à gravidade do paciente. 

  • Grau 1: devem ser acompanhados ambulatorialmente
  • Grau 2: internar a depender do nível de confusão mental/letargia
  • Grau 3 e 4: devem ser internados, preferencialmente em uma unidade de terapia intensiva. 

Vale salientar que pacientes Grau 0 assintomáticos, mas com hiperamonemia não tem indicação de tratamento.

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Tratamento para encefalopatia hepática

Apesar da via fisiopatológica da alimentação com a encefalopatia hepática, a suspensão de alimentos proteicos e de carboidratos não é indicada. Isso porque, grande parte dos pacientes possuem desnutrição devido ao seu quadro cirrótico ou são portadores de Sarcopenia e, assim, o suporte nutricional é essencial para todos. Além disso, é imprescindível a identificação e correção do fator desencadeante do problema em associação com métodos farmacológicos, para redução da concentração plasmática da amônia. Seguem os medicamentos e sua forma de uso:

  • Lactulose 30-45 mg: VO, 2-4x/dia. Uso até fezes amolecidas por 2-3x/dia
  • Lactitol 30-60 mg: VO, diluído em 100ml de água, 2-4x/dia. Uso até fezes amolecidas por 2-3x/dia

Outras opções para tratamento

Para aqueles pacientes sem melhora em 48h com uso de Lactulose/Lactitol ou impossibilidade de administração desses medicamentos, a Rifaximina (550mg 2x/dia ou 400mg 3x/dia) é uma opção que deve ser utilizada até a ausência de recorrência da EH em 3 meses. Em contextos de persistência com a Rifaximina, a Neomicina (1g 2x/dia ou 500mg 3x/dia) pode ser utilizada para melhor controle dos episódios de encefalopatia hepática.

Conclusão

Apesar de ser uma complicação que acrescenta diversos empecilhos emocionais e na saúde para o paciente hepatopata crônico e seus familiares, a encefalopatia hepática é possivelmente reversível por meio de controle do distúrbio metabólico e, para isso, condutas diagnósticas e terapêuticas estão bem estabelecidas para melhor prognóstico dos pacientes.

Continue aprendendo: 

FONTES:

  • Hepatic encephalopathy in adults: clinical manifestations and diagnosis - UpToDate
  • Hepatic encephalopathy: Pathogenesis - UpToDate
  • Fisiopatologia da Encefalopatia Hepática, Edna Strauss
  • Hepatic encephalopathy in adults: Treatment - UpToDate
  • Emedicine - Medscape 

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