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Neurofibromatose: causas, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
30/4/2025
 · 
Atualizado em
30/4/2025
Índice

A neurofibromatose é uma doença rara, porém capaz de afetar significativamente a vida de milhões de indivíduos. É uma condição que predispõe o surgimento de tumores cutâneos, oculares e do sistema nervoso, podendo causar importante morbidade nesses indivíduos. Por isso, saber quando suspeitar desta doença é fundamental na prática clínica. 

O que é neurofibromatose?

A neurofibromatose (NF) é um grupo de doenças genéticas englobadas nas síndromes neurocutâneas, também denominadas facomatoses. São caracterizadas pelo crescimento anormal de tumores, geralmente benignos. A condição é hereditária, e sua expressividade pode variar amplamente entre os pacientes.

Causas da neurofibromatose

A neurofibromatose é causada por mutações genéticas que afetam a regulação do crescimento celular. As principais mutações ocorrem nos genes NF1 e NF2, localizados nos cromossomos 17 e 22, respectivamente. Esses genes codificam proteínas que atuam como supressores tumorais. Quando sofrem mutação, o controle sobre a proliferação celular é comprometido, resultando no desenvolvimento de neurofibromas e outros tipos de tumores.

A neurofibromatose é herdada de maneira autossômica dominante, o que significa que uma cópia mutada do gene é suficiente para causar a doença. No entanto, cerca de 50% dos casos surgem de mutações espontâneas, sem histórico familiar conhecido. A expressividade e a penetrância variável tornam a manifestação clínica imprevisível, mesmo entre membros da mesma família.

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Tipos

A neurofibromatose é classificada em dois principais tipos: a neurofibromatose tipo 1 (NF1) e a schwannomatose relacionada ao gene NF2, antigamente denominada neurofibromatose tipo 2. Como a NF1 é a forma mais comum, este artigo dará ênfase para essa forma da neurofibromatose.

Neurofibromatose tipo 1

Também conhecida como doença de von Recklinghausen, a neurofibromatose tipo 1 é a forma mais comum da doença, acometendo 1 a cada  cerca de 2.800 indivíduos. Cerca de 50% dos casos têm herança autossômica, e 50% deles ocorrem em pacientes com genitores não afetados.

A doença ocorre por uma mutação no gene NF1, localizado no cromossomo 17q11.2, que codifica a neurofibromina, que tem como função a ativação da guanosina-trifosfatase (GTPase), uma proteína que atua na regulação do supressor tumoral RAS. A perda bialélica desse supressor promove o surgimento de diversos tumores do sistema nervoso central, como os neurofibromas, gliomas do nervo óptico, astrocitomas e meningiomas.

Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (Neurofibromatose tipo 2)

A schwannomatose relacionada ao gene NF2 é mais rara que a NF1, acometendo 1 a cada 25.000 a 40.000 pessoas. É um distúrbio autossômico dominante com penetrância completa, com mutações que ocorrem de forma aleatória em 50% dos casos. A mutação ocorre no gene NF2 do cromossomo 22q, responsável por codificar a proteína citoesquelética merlina, que atua como um gene supressor de tumor.

Sintomas da neurofibromatose

Manifestações clínicas da neurofibromatose tipo 1

Comumente, o surgimento das manifestações clínicas da NF1 ocorrem da seguinte forma: primeiramente, ocorre o surgimento de manchas café-com-leite; posteriormente, das sardas na região axilar e/ou na região inguinal (sinal de Crowe), dos nódulos de Lisch (hamartomas da íris) e dos neurofibromas

Sardas em região axilar. Fonte: UpToDate, 2024+
Sardas em região axilar. Fonte: UpToDate, 2024+

As manchas café-com-leite são máculas planas e com pigmentação uniforme que surgem no primeiro ano de vida, aumentando em número ao longo da infância. Até 15% da população geral apresenta manchas café-com-leite, entretanto, a presença de 6 ou mais é altamente sugestivo de NF1. Para mais, cerca de 95% dos adultos com NF1 apresentam manchas café-com-leite.

Múltiplas manchas café-com-leite. Fonte: UpToDate, 2024
Múltiplas manchas café-com-leite. Fonte: UpToDate, 2024

E ainda, os nódulos de Lisch estão presentes em 10% das crianças e em 90% dos adultos com NF1. Para além dessas, outras manifestações que podem estar presentes nos pacientes com NF1 são a hiperpigmentação da coroide e a presença de vasos tortuosos na retina. Todavia, essas anormalidades não afetam a visão do paciente.

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Nódulos de Lisch (seta). Fonte: UpToDate, 2024
Nódulos de Lisch (seta). Fonte: UpToDate, 2024

Tumores

Neurofibromas. Fonte: Atlas of Genetics and Cytogenetics in Oncology and Haematology
Neurofibromas. Fonte: Atlas of Genetics and Cytogenetics in Oncology and Haematology

E ainda, pacientes com NF1 apresentam maiores chances de apresentarem tumores benignos e malignos ao longo da vida, sendo os neurofibromas o tipo de tumor mais comumente encontrado. São tumores nodulares, de consistência firme, que se manifestam superficialmente ou em tecidos mais profundos, podendo comprimir estruturas adjacentes, causando dor.

Visualização do neurofibroma na ressonância magnética. Fonte: UpToDate, 2024
Visualização do neurofibroma na ressonância magnética. Fonte: UpToDate, 2024

Outras possíveis manifestações neurocutâneas são os neurofibromas plexiformes, tumores cutâneos de localização superficial associadas ao crescimento acelerado da pele e tecidos moles. Representam causa importante de morbidade e desfiguração em pacientes com NF1, e estão associados com aumento na mortalidade nestes indivíduos.

Neurofibroma plexiforme. Fonte: UpToDate, 2024
Neurofibroma plexiforme. Fonte: UpToDate, 2024

Para mais, os gliomas assintomáticos da via óptica são os tumores intracranianos mais comuns no paciente com NF1, acometendo até 15% das crianças com menos de 6 anos. Frequentemente são astrocitomas pilocíticos de baixo grau, podendo acometer o nervo óptico, o quiasma óptico ou os tratos ópticos pós-guiamais.

Ressonância magnética em T2 (imagens A e B) demonstrando tumor de hiperintenso em região intraorbital do nervo óptico esquerdo, compatível com glioma. Fonte: UpToDate, 2024
Ressonância magnética em T2 (imagens A e B) demonstrando tumor de hiperintenso em região intraorbital do nervo óptico esquerdo, compatível com glioma. Fonte: UpToDate, 2024

Por fim, os tumores malignos da bainha de mielina são os tumores malignos do sistema nervoso periférico mais comuns nos pacientes com NF1. Além disso, as displasias ósseas também podem acometer esses pacientes e, quando presentes, acometem crianças no primeiro ano de vida. E mais, epilepsia e atraso no desenvolvimento também são manifestações comuns nestes pacientes.

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Manifestações clínicas da Schwannomatose relacionada ao gene NF2

A maioria dos indivíduos com schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SWN-NF2) começam a apresentar sintomas a partir dos 20 a 25 anos de idade. Em 50% dos casos, os primeiros sintomas são a perda auditiva e o zumbido. As principais alterações que podem estar presentes no paciente com SWN-NF2 estão presentes na tabela abaixo.

LESÕES NEUROLÓGICAS
Schwannomas vestibulares bilaterais, comumente até os 30 anos de idade (90 a 95%)
Schwannomas de outros nervos cranianos (24 a 51%)
Meningiomas intracranianos (45 a 77%)
Tumores espinhais ependimomas intramedulares e meningiomas/schwannomas extramedularess (63 a 9050
Neuropatia periférica (até 66%)
Anormalidades mais frequentemente encontradas na SWN-NF2. Fonte: UpToDate, 2024

Nos pacientes que apresentam schwannomas vestibulares bilaterais, a perda auditiva costuma ocorrer de forma gradual e progressiva, com perda completa da acuidade auditiva com o passar dos anos. Quase todos esses tumores são histopatologicamente benignos, entretanto, devido a sua localização anatômica, podem causar impacto na qualidade de vida do paciente.

RNM com contraste evidenciando schwannomas bilaterais em paciente aos 10 anos (A) e aos 17 anos (B). Observe o aumento importante no tamanho do tumor. Fonte: UpToDate, 2024
RNM com contraste evidenciando schwannomas bilaterais em paciente aos 10 anos (A) e aos 17 anos (B). Observe o aumento importante no tamanho do tumor. Fonte: UpToDate, 2024

Diagnóstico

O diagnóstico da neurofibromatose é baseado em critérios clínicos. Os critérios abaixo apresentam alta sensibilidade e especificidade, com 97% dos indivíduos até os 8 anos preenchendo os critérios diagnósticos e 100% até os 20 anos

CRITÉRIOS REVISADOS PARA O DIAGNÓSTICO DE NF1
Pelo menos dois destes critérios devem estar presentes no indivíduo que não tem pais diagnosticados com NF1:
1) 6 ou mais manchas café-com-leite maiores que 5 mm no seu maior diâmetro em pacientes pré-púberes, ou manchas maiores que 15 mm em pacientes pós-púberes.
2) Sardas na região axilar ou inguinal.
3) Glioma na via óptica.
4) Dois ou mais neurofibromas ou um neurofibroma plexiforme.
5) Dois ou mais nódulos de Lisch diagnosticados pela lâmpada de fenda, ou duas ou mais anormalidades na coroide (definidas pela presença de nódulos brilhantes e irregulares visualizados pela tomografia de coerência óptica).
6) Lesão óssea distinta, como displasia esfenoidal, arqueamento anterolateral da tíbia ou pseudoartrose de osso longo.**
7) Uma variante patogênica heterozigótica da neurofibromina 1 (NF1) com uma fração alélica variante de 50% em tecido aparentemente normal, como glóbulos brancos.
O indivíduo com pai ou mãe diagnosticados com NF1 pelos critérios acima, com pelo menos um dos critérios acima.
* Se apenas manchas café-com-leite e sardas estiverem presentes, o diagnóstico mais provável de NF1. Entretanto, excepcionalmente, deve-se considerar o diagnóstico de síndrome de Legius. Pelo menos um dos dois achados pigmentares (manchas café-com-leite ou sardas) deve ser bilateral. **A displasia da asa do esfenoide não é um critério separado no caso de neurofibroma plexiforme orbital ipsilateral. Fonte: UpToDate, 2024

Tratamentos para neurofibromatose

A neurofibromatose é uma doença incurável e, por isso, seu tratamento visa o controle dos sintomas e a prevenção das suas complicações. Dessa forma, deve-se realizar o monitoramento clínico destes pacientes com exames de imagem regulares para avaliar o crescimento dos tumores, bem como o acompanhamento neurológico e oftalmológico desses pacientes. 

Além disso, deve-se realizar uma avaliação auditiva periódica nos pacientes com mutações no gene NF2. Em casos selecionados, pode-se realizar cirurgias para remoção de schwannomas vestibulares. Outras opções de tratamentos cirúrgicos consistem na remoção de neurofibromas sintomáticos e correções de deformidades ósseas.

Em 2020, a droga selumetinibe foi aprovada para o tratamento de pacientes a partir dos três anos de idade com neurofibromas plexiformes sintomáticos e/ou neurofibromas progressivos e inoperáveis. Para mais, o uso de analgésicos e anticonvulsivantes podem ser usados para controle da dor neuropática.

Por fim, para eles, o suporte multidisciplinar com apoio da fisioterapia, terapia ocupacional e o suporte psicossocial com ensino especializado para crianças com dificuldades de aprendizagem se faz fundamental no tratamento de pacientes com neurofibromatose.

Conclusão

A neurofibromatose é uma doença complexa e multifacetada, exigindo uma abordagem multidisciplinar para seu manejo eficaz. O avanço na genética molecular tem possibilitado diagnósticos mais precoces e terapias inovadoras. O neurologista desempenha um papel central na orientação dos pacientes e na busca por opções terapêuticas personalizadas.

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