Para interpretar corretamente o resultado de uma gasometria arterial, faz-se necessário relembrar alguns conceitos chaves sobre a manutenção da homeostase. Isso porque o organismo constantemente excreta substâncias ácidas, produtos da degradação de metabólitos.
Assim, para manter o pH fisiológico, o hidrogênio (H+), um íon ácido, é eliminado através da excreção renal. Além disso, os rins também atuam produzindo o bicarbonato (HCO3-), uma substância básica. Para além desses mecanismos, é possível manter a homeostase através da excreção do dióxido de carbono (CO2), um ácido, pelos pulmões.
Dessa forma, tem-se o princípio de que, sempre que houver excesso de uma substância que altere o pH fisiológico, haverá um aumento da produção da outra substância para contrabalancear esse desequilíbrio. Para compreender melhor esses conceitos, é possível imaginar que esse equilíbrio ocorre como em uma balança. Observe a imagem e o exemplo abaixo.

Dessa forma, a interpretação de uma gasometria arterial pode ser divida em três passos:
- Análise do pH;
- Análise da PCO2 e do HCO3-, e;
- Avaliação da resposta compensatória.
Análise do pHA análise do pH define se o paciente apresenta uma acidemia (pH < 7,35) ou uma alcalemia (pH > 7,45). Por isso, preconiza-se que este deve ser o primeiro ponto a ser avaliado na gasometria arterial.Análise da PCO2 e do HCO3-Após avaliar se o paciente apresenta uma acidemia ou alcalemia, o próximo passo é definir se esse desequilíbrio ácido-básico tem etiologia metabólica ou respiratória. Dessa forma, define-se que a alteração nos valores do HCO3- corresponde a uma acidose/alcalose metabólica, e as alterações do CO2, em uma acidose/alcalose respiratória. Observe a tabela abaixo.
Avaliação da resposta compensatória
Para mais, nos pacientes com um distúrbio simples do pH, é possível inferir que, para “manter a balança equilibrada”:
- Sempre que houver consumo do HCO3-, espera-se que haja concomitantemente o consumo do CO2;
- Sempre que houver um aumento do HCO3-, espera-se que haja concomitantemente um aumento do CO2;
- Sempre que houver aumento do CO2, espera-se que haja um aumento na produção do HCO3-.
- Sempre que houver consumo do CO2, espera-se que haja também uma diminuição do HCO3-.
Entretanto, essa regra não está presente nos pacientes que apresentam distúrbios mistos do pH. Nesses casos, podemos evidenciar, por exemplo, um aumento da PCO2 com diminuição do HCO3-, o que deve direcionar o raciocínio clínico para outras causas. Observe o exemplo abaixo.
Por fim, é de fundamental importância ter em mente que as respostas compensatórias para os distúrbios ácido-básicos têm velocidades diferentes. A resposta respiratória, através da bradipneia (↑CO2) e da taquipneia (↓CO2), ocorre de forma rápida, atuando em minutos. Já a resposta renal, através do aumento da produção do HCO3-, ocorre de forma lenta, geralmente em dias.

O que é acidose metabólica?
A acidose metabólica, como mencionado anteriormente, é definida pelo processo patológico do aumento de H+ e redução do HCO3-. Esse processo pode decorrer do aumento da produção de ácidos pelo organismo, da perda de bicarbonato, ou ainda, pela redução na excreção dos ácidos produzidos.
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Causas de acidose metabólica
Aumento na produção de ácidos
O aumento da produção de ácidos pelo organismo pode se dar por diversos processos patológicos. Entre eles, destacam-se a sepse, devido ao aumento da produção de ácido lático; e a cetoacidose diabética ou alcóolica, através da produção de cetoácidos. Para mais, a intoxicação exógena pelo metanol, etilenoglicol e salicilato também são importantes causas de acidose metabólica.
Perda de bicarbonato
O trato gastrointestinal (TGI) é um importante produtor de bicarbonato no organismo. Assim, situações de aumento do trânsito gastrointestinal, como a diarreia, promovem eliminação do HCO3- nas fezes, favorecendo uma possível evolução para a acidose metabólica.
Para mais, outra importante causa de acidose metabólica é a acidose tubular renal (ATR) tipo II. No túbulo contorcido proximal, há a reabsorção do sódio e, concomitantemente, também há a reabsorção do bicarbonato. Quando há uma disfunção dessa região do néfron, ocorre uma diminuição dessa absorção do HCO3-, contribuindo para a acidemia.

Redução da excreção dos ácidos produzidos
Em pacientes com doença renal crônica (DRC), há uma diminuição significativa da taxa de filtração glomerular (TFG) e da função tubular, com consequente aumento das concentrações de H+ no sangue pela diminuição da capacidade de excreção. E mais, na DRC avançada, há aumento na produção de sulfatos, contribuindo também para a acidemia.
Além disso, outra causa de diminuição na excreção de ácidos é a disfunção tubular distal, que ocorre na ATR tipo I e IV. Assim, no túbulo coletor, há a reabsorção de sódio em troca do potássio (K+) ou do H+.
Na ATR tipo I, há uma disfunção nas células intercaladas, impedindo a excreção do H+ e, dessa forma, promovendo uma absorção do HCO3- através da excreção exclusivamente do potássio. Por isso, a ATR tipo I promove uma acidose metabólica denominada hipocalêmica.
Já na ATR tipo III, há um hipoaldosteronismo, hormônio responsável por realizar a reabsorção do sódio e sua troca pelo potássio e pelo H+. Dessa forma, não há a eliminação do K+ e nem do H+, promovendo um acúmulo de ambos os íons. Por isso, a ATR tipo III promove uma acidose metabólica hipercalêmica.
Quais os sintomas da acidose metabólica?
Como discutido anteriormente, a primeira resposta fisiológica do paciente com acidose metabólica é a hiperventilação, que ocorre como uma resposta compensatória com o intuito de eliminar o CO2 e, consequentemente, diminuir a acidez no sangue.
Para além da hiperventilação, o paciente pode evoluir com depressão miocárdica, principalmente quando o pH atinge 7,1 ou 7,2. Nesses casos, há uma redução acentuada do efeito das catecolaminas, e o paciente pode evoluir com bradicardia e hipotensão.
Para mais, o paciente pode evoluir também com uma hipercalemia. Isso porque há uma resposta fisiológica de entrada do H+ nas células e troca desse íon pelo K+, que migra para o ambiente extracelular, com intuito de reduzir a acidemia.
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Como é feito o diagnóstico?
Para dar o diagnóstico de acidose metabólica, deve-se coletar amostras de sangue para avaliação dos eletrólitos e uma gasometria arterial simultaneamente, antes de iniciar a terapia medicamentosa. Para mais, reconhecendo a importância do princípio da eletroneutralidade, deve-se realizar cálculo do ânion-gap.
O princípio da eletroneutralidade é definido pela premissa de que a soma dos íons positivos (cátions) com os íons negativos (ânions) na corrente sanguínea deve ser neutra. Entretanto, existem ânions e cátions que habitualmente não dosamos nos exames laboratoriais e, portanto, a forma de mensurá-los é através do cálculo do ânion gap (AG).
Assim, o ânion gap é definido pela diferença entre os cátions e ânions não avaliados nos exames laboratoriais. Ele deve sempre ser calculado quando houver o consumo de bicarbonato, ou seja, sempre que for evidenciado que o paciente apresenta uma acidose metabólica.
Cálculo do ânion gap
O princípio da eletroneutralidade sugere que a quantidade de íons positivos deve ser igual a de íons negativos. Dessa forma, tem-se:
Considerando que o AG = (ânions não medidos) - (cátions não medidos), podemos simplificar essa fórmula da seguinte forma:
Considera-se um valor normal de ânion gap entre 6-12 mEq/L. Quando o valor do AG excede 12 mEq/L, temos um caso de acidose metabólica com ânion gap aumentado, sugerindo que há um novo ácido sendo produzido pelo organismo. Observe o exemplo abaixo.
Tratamento da acidose metabólica
A principal conduta para o paciente com acidose metabólica é o tratamento da causa base do quadro. Assim, em pacientes sépticos, preconiza-se o início da antibioticoterapia precoce e expansão volêmica, por exemplo. Entretanto, nos seguintes casos, deve-se realizar, para além do tratamento da causa base, a reposição concomitante do bicarbonato:
- Se pH < 7,1;
- Se pH < 7,2 em paciente com injúria renal aguda, ou;
- Se pH < 6,9 em pacientes com cetoacidose.
A reposição deve ser feita com 1-2 mEq/kg, ou através do cálculo: 0,3 x peso x BE (base excess). Assim, uma ampola de BIC 8,4% tem 1 mEq/mL de bicarbonato. Deve-se deixar a concentração correr por 30 minutos, e reavaliar novamente o pH do paciente após 2 horas.
Conclusão
A acidose metabólica é uma condição clínica complexa que reflete desequilíbrios significativos no metabolismo ácido-básico e exige uma abordagem sistemática para diagnóstico e tratamento. Compreender os mecanismos subjacentes, como o papel dos rins e pulmões na regulação do pH, as causas específicas do aumento de H+ ou perda de bicarbonato e a interpretação criteriosa da gasometria arterial e do ânion gap são passos cruciais na avaliação desses pacientes.
Continue aprendendo:
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FONTE:
- LOSCALZO, et al. Medicina Interna de Harrison. 21 ed. Porto Alegre: AMGH, 2024.
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