Medicina Intensiva
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Acidose metabólica: causas, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
5/2/2025
 · 
Atualizado em
5/2/2025
Índice

Para interpretar corretamente o resultado de uma gasometria arterial, faz-se necessário relembrar alguns conceitos chaves sobre a manutenção da homeostase. Isso porque o organismo constantemente excreta substâncias ácidas, produtos da degradação de metabólitos.

Assim, para manter o pH fisiológico, o hidrogênio (H+), um íon ácido, é eliminado através da excreção renal. Além disso, os rins também atuam produzindo o bicarbonato (HCO3-), uma substância básica. Para além desses mecanismos, é possível manter a homeostase através da excreção do dióxido de carbono (CO2), um ácido, pelos pulmões

Valores normais no sangue arterial
pH 7,35 - 7,45
PCO2 (pressão de CO2) 35 - 45 mmHg
HCO3- 21 - 27 mEq/L
Tabela com valores normais no sangue arterial das principais substâncias que atuam no equilíbrio ácido-básico. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2024

Dessa forma, tem-se o princípio de que, sempre que houver excesso de uma substância que altere o pH fisiológico, haverá um aumento da produção da outra substância para contrabalancear esse desequilíbrio. Para compreender melhor esses conceitos, é possível imaginar que esse equilíbrio ocorre como em uma balança. Observe a imagem e o exemplo abaixo.

Esquematização da “balança”do pH no organismo. Quanto mais HCO3-, mais CO2 é necessário para manter a balança equilibrada. De forma semelhante, quando há uma diminuição do CO2, menos HCO3- deve ser produzido a fim de manter o pH estável. Fonte: Eu Medico Residente
Esquematização da “balança”do pH no organismo. Quanto mais HCO3-, mais CO2 é necessário para manter a balança equilibrada. De forma semelhante, quando há uma diminuição do CO2, menos HCO3- deve ser produzido a fim de manter o pH estável. Fonte: Eu Medico Residente
Exemplo
Na sepse, há um aumento da produção de ácido lático devido à metabolização anaeróbica, como consequência da hipoperfusão tecidual.
Nesse caso, haverá um aumento da produção de H+ e, consequentemente, será necessário o consumo do HCO3- disponível no sangue. A medida que há o consumo do bicarbonato, o pH sanguíneo tenderá a acidificar.
Para “equilibrar a balança”, há uma resposta fisiológica de eliminação de CO2 através da taquipneia, afim de diminuir a acidez sanguínea e, dessa forma, manter o pH estável em valores fisiológicos.

Dessa forma, a interpretação de uma gasometria arterial pode ser divida em três passos:

  1. Análise do pH;
  2. Análise da PCO2 e do HCO3-, e;
  3. Avaliação da resposta compensatória.

Análise do pHA análise do pH define se o paciente apresenta uma acidemia (pH < 7,35) ou uma alcalemia (pH > 7,45). Por isso, preconiza-se que este deve ser o primeiro ponto a ser avaliado na gasometria arterial.Análise da PCO2 e do HCO3-Após avaliar se o paciente apresenta uma acidemia ou alcalemia, o próximo passo é definir se esse desequilíbrio ácido-básico tem etiologia metabólica ou respiratória. Dessa forma, define-se que a alteração nos valores do HCO3- corresponde a uma acidose/alcalose metabólica, e as alterações do CO2, em uma acidose/alcalose respiratória. Observe a tabela abaixo.

Interpretação da gasometria
↑ CO2 Acidose respiratória
↓ CO2 Alcalose respiratória
↑ HCO3- Acidose metabólica
↓ HCO3- Alcalose metabólica
Tabela relacionando o HCO3- e o CO2 com o tipo de acidose/alcalose na gasometria. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2024

Avaliação da resposta compensatória

Para mais, nos pacientes com um distúrbio simples do pH, é possível inferir que, para “manter a balança equilibrada”:

  • Sempre que houver consumo do HCO3-, espera-se que haja concomitantemente o consumo do CO2;
  • Sempre que houver um aumento do HCO3-, espera-se que haja concomitantemente um aumento do CO2;
  • Sempre que houver aumento do CO2, espera-se que haja um aumento na produção do HCO3-.
  • Sempre que houver consumo do CO2, espera-se que haja também uma diminuição do HCO3-.

Entretanto, essa regra não está presente nos pacientes que apresentam distúrbios mistos do pH. Nesses casos, podemos evidenciar, por exemplo, um aumento da PCO2 com diminuição do HCO3-, o que deve direcionar o raciocínio clínico para outras causas. Observe o exemplo abaixo.

Exemplo
Paciente com pH = 7,2; PCO2 = 68 mmHg; HCO3- = 12. Esse paciente apresenta uma acidose, visto que o pH é < 7,35, e apresenta um PCO2 aumentado com HCO3- diminuído.
Para esse paciente, é de fundamental importância pensar em causas diferentes para o desequilíbrio ácido-básico, ou seja: uma causa está provocando a acidose respiratória, e outra, a acidose metabólica.

Por fim, é de fundamental importância ter em mente que as respostas compensatórias para os distúrbios ácido-básicos têm velocidades diferentes. A resposta respiratória, através da bradipneia (↑CO2) e da taquipneia (↓CO2), ocorre de forma rápida, atuando em minutos. Já a resposta renal, através do aumento da produção do HCO3-, ocorre de forma lenta, geralmente em dias.

Esquematização da resposta compensatória esperada em cada situação de alcalose/acidose. BIC: bicarbonato. Fonte: Eu Medico Residente

O que é acidose metabólica?

A acidose metabólica, como mencionado anteriormente, é definida pelo processo patológico do aumento de H+ e redução do HCO3-. Esse processo pode decorrer do aumento da produção de ácidos pelo organismo, da perda de bicarbonato, ou ainda, pela redução na excreção dos ácidos produzidos

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Causas de acidose metabólica

Aumento na produção de ácidos

O aumento da produção de ácidos pelo organismo pode se dar por diversos processos patológicos. Entre eles, destacam-se a sepse, devido ao aumento da produção de ácido lático; e a cetoacidose diabética ou alcóolica, através da produção de cetoácidos. Para mais, a intoxicação exógena pelo metanol, etilenoglicol e salicilato também são importantes causas de acidose metabólica.

Perda de bicarbonato

O trato gastrointestinal (TGI) é um importante produtor de bicarbonato no organismo. Assim, situações de aumento do trânsito gastrointestinal, como a diarreia, promovem eliminação do HCO3- nas fezes, favorecendo uma possível evolução para a acidose metabólica. 

Para mais, outra importante causa de acidose metabólica é a acidose tubular renal (ATR) tipo II. No túbulo contorcido proximal, há a reabsorção do sódio e, concomitantemente, também há a reabsorção do bicarbonato. Quando há uma disfunção dessa região do néfron, ocorre uma diminuição dessa absorção do HCO3-, contribuindo para a acidemia.

Anatomia do néfron. Fonte: Universidade de São Paulo 

Redução da excreção dos ácidos produzidos

Em pacientes com doença renal crônica (DRC), há uma diminuição significativa da taxa de filtração glomerular (TFG) e da função tubular, com consequente aumento das concentrações de H+ no sangue pela diminuição da capacidade de excreção. E mais, na DRC avançada, há aumento na produção de sulfatos, contribuindo também para a acidemia.

Além disso, outra causa de diminuição na excreção de ácidos é a disfunção tubular distal, que ocorre na ATR tipo I e IV. Assim, no túbulo coletor, há a reabsorção de sódio em troca do potássio (K+) ou do H+

Na ATR tipo I, há uma disfunção nas células intercaladas, impedindo a excreção do H+ e, dessa forma, promovendo uma absorção do HCO3- através da excreção exclusivamente do potássio. Por isso, a ATR tipo I promove uma acidose metabólica denominada hipocalêmica.

Já na ATR tipo III, há um hipoaldosteronismo, hormônio responsável por realizar a reabsorção do sódio e sua troca pelo potássio e pelo H+. Dessa forma, não há a eliminação do K+ e nem do H+, promovendo um acúmulo de ambos os íons. Por isso, a ATR tipo III promove uma acidose metabólica hipercalêmica.

Quais os sintomas da acidose metabólica?

Como discutido anteriormente, a primeira resposta fisiológica do paciente com acidose metabólica é a hiperventilação, que ocorre como uma resposta compensatória com o intuito de eliminar o CO2 e, consequentemente, diminuir a acidez no sangue.

Para além da hiperventilação, o paciente pode evoluir com depressão miocárdica, principalmente quando o pH atinge 7,1 ou 7,2. Nesses casos, há uma redução acentuada do efeito das catecolaminas, e o paciente pode evoluir com bradicardia e hipotensão.

Para mais, o paciente pode evoluir também com uma hipercalemia. Isso porque há uma resposta fisiológica de entrada do H+ nas células e troca desse íon pelo K+, que migra para o ambiente extracelular, com intuito de reduzir a acidemia.

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Como é feito o diagnóstico?

Para dar o diagnóstico de acidose metabólica, deve-se coletar amostras de sangue para avaliação dos eletrólitos e uma gasometria arterial simultaneamente, antes de iniciar a terapia medicamentosa. Para mais, reconhecendo a importância do princípio da eletroneutralidade, deve-se realizar cálculo do ânion-gap.

O princípio da eletroneutralidade é definido pela premissa de que a soma dos íons positivos (cátions) com os íons negativos (ânions) na corrente sanguínea deve ser neutra. Entretanto, existem ânions e cátions que habitualmente não dosamos nos exames laboratoriais e, portanto, a forma de mensurá-los é através do cálculo do ânion gap (AG).

Exemplos de íons
Cátions (positivos) Na+ / K+ / Ca++ / Mg++
Ânions (negativos) Cl- / HCO3- / fosfato
Sulfato
Lactato
Ânion gap Ânions não medidos - cátions não medidos
Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2024

Assim, o ânion gap é definido pela diferença entre os cátions e ânions não avaliados nos exames laboratoriais. Ele deve sempre ser calculado quando houver o consumo de bicarbonato, ou seja, sempre que for evidenciado que o paciente apresenta uma acidose metabólica.

Cálculo do ânion gap

O princípio da eletroneutralidade sugere que a quantidade de íons positivos deve ser igual a de íons negativos. Dessa forma, tem-se:

Na + (cátions não medidos) = Cl + HCO3 + (ânions não medidos)

Considerando que o AG = (ânions não medidos) - (cátions não medidos), podemos simplificar essa fórmula da seguinte forma:

Na - Cl - HCO3 = (ânions não medidos) - (cátions não medidos) = AG
Assim, temos que:
AG = Na + (Cl + HCO3)

Considera-se um valor normal de ânion gap entre 6-12 mEq/L. Quando o valor do AG excede 12 mEq/L, temos um caso de acidose metabólica com ânion gap aumentado, sugerindo que há um novo ácido sendo produzido pelo organismo. Observe o exemplo abaixo.

Em um paciente com DRC avançada e com quadro de acidose metabólica, calculamos o ânion gap e obtivemos um valor de 14 mEq/L.

Como comentado anteriormente, na DRC avançada, há um aumento na produção do ácido sulfúrico, representado pela fórmula H2SO4.

H2SO4 → 2H+ + SO4-
Causas de acidose metabólica com ânion gap elevado Causas de acidose metabólica com ânion gap normal
Acidose lática Perda gastrointestinal de bicarbonato
Diarreia
Drenagem externa do pâncreas ou intestino delgado
Ureterossigmoidostomia, alça jejunal e alça ileal
Fármacos
Cloreto de cálcio (agente acidificante)
Sulfato de magnésio
Colestiramina (diarreia por ácidos biliares)
Cetoacidose
Diabética
Alcóolica
Inanição
Acidose renal
Hipopotassemia
ATR proximal (tipo II)
Induzida por fármacos: acetazolamida, topiramato
ATR distal (tipo I)
Induzida por fármacos: anfotericina B, ifosfamida
Hiperpotassemia
Disfunção generalizada do néfron distal (tipo IV)
Deficiência seletiva de aldosterona
Resistência aos mineralocorticoides (PHA tipo I, autossômico dominante)
Defeitos na voltagem (PHA I, autossômico recessivo e PHA II)
Hipoaldosteranismo hiporreninêmico
Doença tubulointersticial
Normopotassemia
Doença renal progressiva crônica
Toxinas
A. Etileno
B. Metanol
C. Salicilatos
D. Propilenoglicol
E. Ácido piroglutâmico
Hiperpotassemia induzida por fármacos (com insuficiência renal)
Diuréticos poupadores de potássio (amilorida, triantereno, espironolactona, eplerenona)
Trimetoprima
Pentamidina
IECA e BRAs
Fármacos anti-inflamatórios não esteróides
Inibidores da calcineurina
Heparina em pacientes com doença grave
Insuficiência renal (aguda e crônica) Outras
Cargas de ácidos (cloreto de amônio, hiperalimentação)
Perda de bicarbonato potencial: cetose com excreção de cetonas
Acidose por expansão (administração rápida de solução salina)
Hipurato
Resinas de troca catiônica
Principais causas de acidose metabólica com ânion gap normal/elevado. Fonte: Medicina Interna de Harrison, 2024

Tratamento da acidose metabólica

A principal conduta para o paciente com acidose metabólica é o tratamento da causa base do quadro. Assim, em pacientes sépticos, preconiza-se o início da antibioticoterapia precoce e expansão volêmica, por exemplo. Entretanto, nos seguintes casos, deve-se realizar, para além do tratamento da causa base, a reposição concomitante do bicarbonato:

  • Se pH < 7,1;
  • Se pH < 7,2 em paciente com injúria renal aguda, ou;
  • Se pH < 6,9 em pacientes com cetoacidose.

A reposição deve ser feita com 1-2 mEq/kg, ou através do cálculo: 0,3 x peso x BE (base excess). Assim, uma ampola de BIC 8,4% tem 1 mEq/mL de bicarbonato. Deve-se deixar a concentração correr por 30 minutos, e reavaliar novamente o pH do paciente após 2 horas.

Conclusão

A acidose metabólica é uma condição clínica complexa que reflete desequilíbrios significativos no metabolismo ácido-básico e exige uma abordagem sistemática para diagnóstico e tratamento. Compreender os mecanismos subjacentes, como o papel dos rins e pulmões na regulação do pH, as causas específicas do aumento de H+ ou perda de bicarbonato e a interpretação criteriosa da gasometria arterial e do ânion gap são passos cruciais na avaliação desses pacientes.

Continue aprendendo:

FONTE:

  • LOSCALZO, et al. Medicina Interna de Harrison. 21 ed. Porto Alegre: AMGH, 2024.

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