Por: Beatriz Lages Zolin
A cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação aguda da diabetes mal controlada, que cursa com alterações clínicas importantes. Ocorre principalmente em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), mas em até 30% dos casos há indivíduos com diabetes tipo 2 (DM2).
Alguns fatores precipitantes são infecções (sobretudo pneumonia e infecções do trato urinário), negligência do tratamento com insulinoterapia, condições de estresse agudo (infarto, AVC e pancreatite), estresse emocional, uso de fármacos específicos (glicocorticoide, tiazídicos e fenitoína) e acromegalia.
A CAD tem uma alta taxa de mortalidade, sendo a principal causa de morte em crianças e adultos jovens com DM1, responsável por 50% dos óbitos. Essa taxa também aumenta em gestantes, indivíduos de baixa classe socioeconômica e nos serviços de saúde precários.
O que é cetoacidose diabética?
A CAD pode ser definida como uma hiperglicemia aguda, com acúmulo de corpos cetônicos (acetoacetato, acetona e beta-hidroxibutirato) e ocorre devido a ausência de insulina no organismo ou falta da atividade dela - resistência à sua ação, nos casos de DM2 - e elevação dos hormônios contrarreguladores, como cortisol, glucagon, GH e catecolaminas.
Também pode haver a CAD euglicêmica (eu-CAD), que surge mais em indivíduos em uso de inibidores de SGLT-2, gestantes, sepse, abuso de álcool e drogas ou por um motivo simples, como o uso recente da insulina antes de ser internado.
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Fisiopatologia
Para entender o quadro clínico da cetoacidose diabética, devemos saber o que acontece no organismo na presença do diabetes. A insulina é um hormônio anabólico responsável pelo armazenamento da glicose e também pela ativação de canais específicos na membrana plasmática, o que abre o caminho para a glicose entrar nas células.
Na ausência ou resistência à insulina, a glicose não consegue chegar aos tecidos e fornecer energia às células. Por conta disso, essas células enviam sinais para o organismo que estimulam a liberação e produção de mais glicose, através da elevação de glucagon, GH e cortisol, o que aumenta mais ainda a glicemia!
A hiperglicemia gera um estado de maior viscosidade no sangue e o aumento da osmolaridade “puxa” a água nos túbulos renais, fazendo com que o paciente urine bastante, o que leva a desidratação e distúrbios eletrolíticos.
Na cetoacidose a deficiência de insulina é tão intensa que há acúmulo de corpos cetônicos, produtos liberados na gliconeogênese por lipólise (quebra de ácidos graxos). Esses metabólitos são ácidos fortes e causam acidose metabólica no organismo. Além disso, a elevação dos ácidos graxos livres induz disfunção endotelial, que pode gerar edema cerebral, principalmente em crianças.
![Patogênese da cetoacidose diabética (CAD) e do estado hiperglicêmico hiperosmolar (EHH). AGL: ácidos graxos livres; acetilCoA: acetilcoenzima A. Fonte: Endocrinologia clínica 7ª edição.](https://cdn.prod.website-files.com/602a70da400a92b1dc65f091/642d83413bb7f1b7c2f594d3_QsQpmnu0MM0xytwlZJxMorpiwbwLBzZ6TafNw-r6TVZIIA2x66JWxLqVEG27PVWEZvu7zpezYbGNe8hYRO6RXXqO3anMRAs8KqXqeU_CfTkVrU6XWtPtHaaNDfMYOl9VqVjPYlYpJoLZS4pR6JCUsw.png)
Quadro clínico da cetoacidose diabética
Os sinais de cetoacidose diabética surgem de maneira relativamente rápida e evoluem dentro de poucas horas ou dias. Os primeiros sintomas são poliúria e polidipsia, seguido de náuseas, vômitos e dor abdominal. Essa dor abdominal surge em 30% dos casos, mas costuma simular um abdome agudo, importante lembrar desse diagnóstico diferencial.
Ao exame físico também encontra-se hálito cetônico (parecido com cheiro de removedor de esmalte ou aroma doce de frutas) e sinais de desidratação (pele pegajosa, taquicardia, pulso fino e mucosas secas). Não é incomum o paciente apresentar choque hemodinâmico, pois há muita perda de fluidos pelos vômitos e poliúria. Além disso, nos casos muito graves o indivíduo pode entrar em estado comatoso.
![Diferença entre padrão respiratório normal e padrão Kussmaul. Fonte: Actoforlibraries](https://cdn.prod.website-files.com/602a70da400a92b1dc65f091/642d838d00119947ca72503d_zM8Z9CCTp8tdKzi2iA1y_C3cVTwit9S56hGd6ifkNCXOBgRbrPTmFcwj2i0ornd75VnhkmY5Sr__DqBk8vciri4SAC22nEapL0jl2gqD8QRDC8l6zdUvoxHlpeMVOP633cp5l32RsAOH17lBG11cDw.jpeg)
Ao tentar compensar a acidose metabólica, o organismo aumenta a frequência respiratória e estimula uma respiração bem profunda, produzindo o padrão respiratório de Kussmaul.
Como fazer o diagnóstico?
O diagnóstico deve ser suspeitado nos casos de pacientes com DM1 ou DM2 com o quadro clássico da cetoacidose diabética – lembrar também que pode ser a manifestação inicial da DM1 em cerca de 40% das crianças e adolescentes – e confirmado com achados laboratoriais de cetonuria/cetocemia positiva, associada a acidose (pH<7,3 OU HCO3 <15 mmol/l) e ânion gap elevado.
A CAD pode ser euglicêmica, por isso não utilizamos a glicemia como um critério diagnóstico, mas quando alterada, costuma estar acima de 250mg/dL. Outros parâmetros laboratoriais irão auxiliar na classificação da cetoacidose diabética em leve, moderada e grave.
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Tratamento para a cetoacidose diabética
Ao paciente que chegar no departamento de emergência, devemos realizar uma anamnese – questionar comorbidades, medicações em uso e acontecimentos recentes (infecções, uso de drogas...) – avaliar nível de consciência e colher exames como glicemia, bioquímica, hemograma, cetonemia e gasometria. Em alguns casos também se faz necessário solicitação de RX de tórax, ECG, hemocultura e urocultura.
Deve-se monitorar o paciente a cada 2-4h com avaliação da consciência (escala de Glasgow) e novos exames laboratoriais (eletrólitos, creatinina, glicemia, cetocemia e gasometria).
Pacientes com CAD leve, por estarem lúcidos e com capacidade para se alimentarem, não precisam ser internados, podem ser manejados no ambiente do departamento de emergência, com reposição de fluidos orais ou intravenosos e insulina subcutânea. Enquanto isso, os pacientes com CAD moderada a grave devem ser encaminhados para UTI, recebendo hidratação e insulinoterapia venosa, além de correção da acidose e de eletrólitos, principalmente o potássio!!!
- Se K < 3,3, repor 40-60mEq/L e suspender a insulina
- Se K estiver entre 3,3 e 5,5, repor 20-30mEq/L
- Se K >5,5, não repor potássio e repetir o exame a cada 2 horas
A dor abdominal surge por desidratação (peritônio desidratado) e é solucionada apenas com reposição volêmica. Essa conduta também consegue reduzir 1/3 da glicemia, mas é necessário associar ao SF 0,9%, o SG-5 a 10%, quando a glicemia atingir um valor abaixo de 250.
Conclusão
A cetoacidose diabética é uma complicação do diabetes (surge principalmente nos indivíduos com diabetes tipo 1), devido a glicemia mal controlada, com apresentação clínica aguda e alta taxa de mortalidade. O diagnóstico é realizado através de critérios laboratoriais e devemos classificar a gravidade do estado do paciente, para indicar o correto manejo, tendo como principais metas a reposição volêmica, insulinoterapia e correção da acidose e eletrólitos.
Continue aprendendo:
- Relação entre a redução do nível de insulina e mudanças na densidade óssea: uma análise entre os subtipos da diabetes mellitus tipo 1
- Entenda o caminho para tratar a Cetoacidose Diabética
- Manejo da Glicemia na Diabetes Mellitus Tipo I
FONTES:
- FUKS¹, Anna Gabriela; VAISBERG, Marcela. Cetoacidose Diabética. ANAIS da ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA, v. 193, p. 1, 2022.
- Endocrinologia clínica Lúcio Vilar 7ª edição
- Karslioglu French E, Donihi AC, Korytkowski MT. Diabetic ketoacidosis and hyperosmolar hyperglycemic syndrome: review of acute decompensated diabetes in adult patients. BMJ. 2019 May 29;365:l1114. doi: 10.1136/bmj.l1114. PMID: 31142480.
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