Nefrologia
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Glomerulonefrite pós-estreptocócica: fisiopatologia e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
5/3/2024
 · 
Atualizado em
6/3/2024
Índice

A glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) é a principal causa de nefrite aguda em crianças, sendo predominantemente observada em países em desenvolvimento, sobretudo em regiões com baixo status socioeconômico (97%). A incidência do quadro varia de 9,5 a 28,5 por 100.000 indivíduos, sendo mais elevado em homens, especialmente acima de 60 anos, e em crianças entre 5 e 12 anos.

A limitada acessibilidade ao tratamento de infecções estreptocócicas e a baixa presença de flúor na água, fatores associados a países em desenvolvimento, contribuem para um aumento na virulência do Streptococcus pyogenes. Essa condição geralmente resulta de uma faringite ou infecções cutâneas, afetando cerca de 5% a 10% do primeiro grupo e cerca de 25% dos pacientes do segundo grupo.

O que é a glomerulonefrite pós-estreptocócica? 

A glomerulonefrite pós-estreptocócica se desenvolve após uma infecção anterior por cepas específicas e nefritogênicas do estreptococo beta-hemolítico do grupo A (EBHA). O complexo imune glomerular desencadeia então a ativação do sistema complemento e desencadeia uma resposta inflamatória nos glomérulos renais, geralmente benigna. 

A apresentação clínica pode variar desde casos assintomáticos com hematúria microscópica até a manifestação completa da síndrome nefrítica aguda. Esta última se caracteriza por urina com coloração que varia de vermelho a marrom, proteinúria (podendo atingir níveis nefróticos), edema, hipertensão e lesão renal aguda

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Fisiopatologia 

Imagem ilustrativa da fisiopatologia suspeita da glomerulonefrite pós-infeciosa
Fisiopatologia suspeita da glomerulonefrite pós-infeciosa: deposição de complexos imunes na membrana basal glomerular (MBG). Fonte: Lecturio

O processo envolve a deposição de complexos imunes circulantes contendo componentes antigênicos estreptocócicos, a formação in situ de complexos imunes glomerulares devido à deposição de antígenos estreptocócicos na membrana basal glomerular (MBG) e a subsequente ligação de anticorpos

Além disso, ocorre a formação in situ de complexos imunes glomerulares promovida por anticorpos contra antígenos estreptocócicos, que têm reatividade cruzada com componentes glomerulares (mimetismo molecular). 

A reatividade autoimune é evidenciada pela presença de atividade anti-imunoglobulina G (IgG). Outros autoanticorpos, como anti-DNA, anti-C1q e anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), também podem ser encontrados. 

O fator reumatoide é detectado em dois terços dos pacientes. Para mais, há ativação da via alternativa do complemento devido à presença transitória de autoanticorpos contra o fator B, um componente da C3 convertase.

Os dois principais responsáveis pela ação antigênica estreptocócica da  glomerulonefrite pós-estreptocócica são o receptor associado à nefrite por plasmina (NAPlr) e a exotoxina B pirogênica estreptocócica (SPE B). O NAPlr, uma enzima glicolítica com atividade de gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (GAPDH), demonstra atividade semelhante à plasmina, podendo promover uma reação inflamatória local. 

Adicionalmente, a SPE B pode estimular a produção de citocinas quimiotáticas. Independentemente da resposta imunológica, ambos podem ativar a via alternativa do complemento e aumentar a expressão de moléculas de adesão. 

Histopatologia

A análise ao microscópio óptico revela uma glomerulonefrite difusa proliferativa e exsudativa, destacando-se a proliferação endocapilar proeminente e a presença de numerosos neutrófilos. A coloração tricrômica pode evidenciar pequenos depósitos subepiteliais com formato de "montículos", os quais contribuem para danos às células epiteliais e proteinúria, assemelhando-se ao observado na nefropatia membranosa.

A microscopia de imunofluorescência apresenta um padrão característico de depósitos difusos granulares de C3 e IgG no mesângio e nas paredes capilares glomerulares. O padrão granular de deposição de C3 nas paredes capilares - criando depósitos em forma de guirlanda - resulta em um padrão de "céu estrelado".

A característica mais notável observada pela microscopia eletrônica são os depósitos subepiteliais eletrondensos em forma de cúpula, conhecidos como "montículos". Esses depósitos, juntamente com os depósitos subendoteliais, representam complexos imunes e correspondem aos depósitos de IgG e C3 encontrados na microscopia de imunofluorescência.

Os depósitos imunes subendoteliais e a subsequente ativação do complemento são responsáveis pelo influxo local de células inflamatórias, resultando em glomerulonefrite proliferativa, um sedimento urinário ativo e uma redução variável na taxa de filtração glomerular (TFG).

4 imagens em conjunto mostrando a histologia da glomerulonefrite pós-estreptocócica
Fonte: Dr Sanjeev Sethi, Mayo Clinic

Veja abaixo a descrição de cada uma das imagens acima:

  • (A):Microscopia óptica mostrando glomerulonefrite proliferativa (exsudativa). Observe numerosos neutrófilos nos capilares glomerulares;
  • (B): Microscopia de imunofluorescência mostrando coloração granular brilhante da parede capilar para C3;
  • (C): Microscopia de imunofluorescência mostrando coloração granular brilhante da parede capilar para IgG;
  • (D): Microscopia eletrônica mostrando depósito subepitelial elétron-denso.

Apresentação clínica da glomerulonefrite pós-estreptocócica

A apresentação clínica varia de hematúria microscópica assintomática até a síndrome nefrítica aguda completa, caracterizada por urina vermelha a marrom, proteinúria (que pode atingir a faixa nefrótica), edema, hipertensão e elevação da creatinina sérica. No entanto, a maioria das crianças é assintomática.

Geralmente há uma história antecedente de infecção de pele ou garganta. O período latente depende do local da infecção: entre uma e três semanas após a faringite e entre três e seis semanas após a infecção cutânea.

Os seguintes sintomas são os sinais de apresentação mais comuns em crianças:

  • Edema generalizado devido à retenção de sódio e água
  • Hematúria macroscópica: a urina parece esfumaçada e com cor de chá ou cola
  • Hipertensão causada principalmente pela retenção de sal e líquidos
  • Os casos subclínicos são caracterizados principalmente por hematúria microscópica
  • Alguns pacientes apresentam encefalopatia hipertensiva ou edema pulmonar agudo com pequenas anormalidades urinárias

Achados laboratoriais

A glomerulonefrite pós-estreptocócica está associada a um declínio variável na taxa de filtração glomerular (TFG), que é detectado por um aumento na creatinina sérica. O exame de urina revela hematúria (alguns dos glóbulos vermelhos são tipicamente dismórficos) com ou sem cilindros de glóbulos vermelhos, vários graus de proteinúria e frequentemente piúria.

Em aproximadamente 90% dos pacientes, os níveis de C3 e CH50 (atividade total do complemento) estão significativamente deprimidos nas primeiras duas semanas do curso da doença.

Apenas 25% dos pacientes apresentarão resultados positivos em culturas da garganta ou pele, uma vez que os sintomas surgem após a infecção. Títulos elevados de anticorpos contra produtos estreptocócicos extracelulares indicam uma infecção recente pelo Streptococcus do Grupo A. Os marcadores mais indicativos para a Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE) são os níveis séricos de anticorpos para NAPlr ou SPEB/zSPEB, mas esses exames são raramente disponíveis.

Após uma infecção na garganta, é comum observar elevação nos títulos de ASO, anti-DNase B, anti-NAD e AHase. Em contraste, após uma infecção na pele, apenas os títulos de anti-DNase B e AHase costumam aumentar.

Diagnóstico 

O diagnóstico do problema é geralmente estabelecido com base nos achados clínicos característicos da nefrite aguda, juntamente com a confirmação de uma infecção recente pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A:

  • Os sinais clínicos da nefrite aguda abrangem hematúria com ou sem cilindros de glóbulos vermelhos, níveis variados de proteinúria, edema, oligúria e hipertensão. 
  • A confirmação da infecção recente pelo estreptococo pode ser obtida por meio de uma cultura positiva da garganta ou da pele, ou por testes sorológicos, como o teste antiestreptolisina (ASO) ou estreptozima. 

Embora a presença de níveis reduzidos de C3 e/ou CH50 seja indicativa do diagnóstico da GNPE, esses componentes também podem estar diminuídos em outras formas de glomerulonefrite. O diagnóstico diferencial consiste em: glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulopatia C3, nefropatia por IgA e causas secundárias de glomerulonefrite como nefrite lúpica e vasculite por IgA.

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Tratamento da glomerulonefrite pós-estreptocócica 

Se a infecção estreptocócica ainda estiver presente no momento do diagnóstico ou o paciente tiver evidência de infecção recorrente, deve ser administrada terapia com penicilina ou, em pacientes alérgicos, eritromicina. Porém, não existe terapia específica para GNPE. 

O manejo é de suporte focado no tratamento das manifestações clínicas da doença, principalmente das complicações por sobrecarga de volume.  As principais complicações são hipertensão e, menos comumente, edema pulmonar. As medidas gerais incluem restrição de sódio e água e diuréticos de alça (Furosemida endovenosa na dose inicial de 1 mg/kg, sendo o máximo de 40 mg).

Em casos raros de encefalopatia hipertensiva, a administração de nifedipina oral ou nicardipina parenteral são eficazes. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina devem ser usados ​​com cautela devido ao risco de hipercalemia.

Pacientes com o problema apresentam reduções variáveis ​​na função renal e alguns pacientes necessitam de diálise durante o episódio agudo. Para indivíduos com insuficiência renal grave, as indicações para diálise incluem:

  • Sobrecarga de fluidos com risco de vida (edema pulmonar, insuficiência cardíaca e hipertensão) refratária à terapia médica
  • Hipercalemia (potássio sérico ou plasmático >6,5 mEq/L) que não responde à terapia médica
  • Uremia definida como BUN entre 89 a 100 mg/dL

Além disso, tais pacientes devem ser submetidos a uma biópsia renal para confirmação diagnóstica e encaminhados para um centro especializado. A biópsia renal também é indicada em casos de níveis normais de C3 na apresentação ou quando o C3 permanece baixo após um mês. Pacientes com crescentes de mais de 30% na biópsia renal são frequentemente tratados com pulsos de metilprednisolona.

A resolução das manifestações clínicas é geralmente bastante rápida, assumindo a resolução simultânea da infecção. A diurese normalmente começa dentro de uma semana, e a creatinina sérica retorna ao valor basal anterior em três a quatro semanas.

As anormalidades urinárias desaparecem em taxas diferentes. A hematúria geralmente desaparece dentro de três a seis meses. Já a proteinúria geralmente desaparece mais cedo que a hematúria microscópica.

Conclusão

A Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica continua a ser uma condição relevante, especialmente em crianças, associada a infecções por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A. Embora a incidência tenha diminuído em países mais desenvolvidos, ela ainda apresenta desafios diagnósticos e no manejo. 

Continue aprendendo:

FONTE:

  • Niaudet P. Poststreptococcal glomerulonephritis. UpToDate. [Online] Dec 2023.

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