A Leishmaniose Visceral (LV), também conhecida como calazar, é endêmica em 76 países, no entanto, na América Latina, 90% dos casos registrados ocorrem no Brasil. Inicialmente mais comum em ambientes silvestres e rurais, essa condição tem se manifestado cada vez mais em áreas urbanas.
Em média, são notificados aproximadamente 3.500 casos anualmente, resultando em um coeficiente de incidência de 2,0 casos por 100.000 habitantes. Nos últimos anos, observa-se um aumento gradual na letalidade, passando de 3,1% em 2000 para 7,1% em 2012.
O que é a leishmaniose visceral?
A Leishmaniose Visceral é uma doença infecciosa causada pelo parasita do gênero Leishmania, transmitido pela picada de flebotomíneos infectados, também conhecidos como "mosquito-palha". Essa enfermidade afeta órgãos internos, como fígado, baço e medula óssea, e pode apresentar-se de forma assintomática ou com sintomas que incluem febre prolongada, perda de peso, fraqueza e aumento desses órgãos.
O ciclo da leishmaniose é complexo e envolve a interação entre dois hospedeiros principais: o homem e o "mosquito-palha". O parasita Leishmania, responsável pela doença, passa por diferentes estágios durante seu ciclo de vida. O ciclo pode ser dividido em duas fases: a fase no vetor (flebotomíneo) e a fase no hospedeiro vertebrado (geralmente mamíferos, incluindo os humanos).
Fase no vetor
Na fase vetorial, os flebotomíneos tornam-se infectados ao se alimentarem do sangue de um hospedeiro vertebrado infectado, que pode ser um humano ou outro animal. Os mamíferos, incluindo cães e roedores, frequentemente servem como reservatórios da Leishmania, contribuindo para a manutenção do ciclo da doença.
Dentro do mosquito, as formas promastigotas do parasita transformam-se em formas infectantes, denominadas metacíclicas. Quando o mosquito infectado pica um hospedeiro saudável para se alimentar de sangue, as formas metacíclicas são inoculadas na corrente sanguínea do hospedeiro.
Fase no hospedeiro vertebrado
Na fase vertebrada, o parasita invade células do sistema mononuclear fagocitário, como macrófagos, dentro do hospedeiro vertebrado.
Dentro dessas células, as formas amastigotas do parasita multiplicam-se e desenvolvem-se. O hospedeiro vertebrado pode apresentar sintomas clínicos variados ou até mesmo permanecer assintomático, dependendo da resposta imunológica e do tipo de Leishmania envolvida.
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Epidemiologia
A epidemiologia e ecologia da Leishmania Visceral em uma região são determinadas pelas características das espécies de parasitas, flebotomíneos e hospedeiros mamíferos reservatórios. Nas principais áreas endêmicas, as infecções assintomáticas superam os casos clinicamente manifestos.
Fatores como mau estado nutricional, idade <5 anos, coinfecção por HIV e fatores imunogenéticos aumentam a probabilidade de progressão para o tipo clínico a partir da infecção por leishmaniose.
A leishmaniose é classificada como a segunda em mortalidade e a sétima em perda de anos de vida ajustados por incapacidade entre as doenças tropicais. Considerada uma "doença negligenciada", sua associação com a pobreza e a falta de investimentos em diagnósticos, tratamentos e controle acentuam essa condição.
Sendo assim, há uma forte associação com áreas de extrema pobreza, onde as condições precárias de saneamento básico, habitação e acesso à saúde favorecem a propagação da doença.
Além disso, afeta predominantemente populações marginalizadas, com recursos limitados para investimentos em pesquisa, diagnóstico e tratamento. A complexidade do ciclo de vida do parasita Leishmania torna o desenvolvimento de estratégias de controle ainda mais desafiador.
Assim, a falta de atenção e investimentos em pesquisas contribui para a escassez de ferramentas diagnósticas, tratamentos eficazes e vacinas.
Sintomas de leishmaniose visceral
A proporção entre infecção assintomática e sintomática varia amplamente, de > 30:1 na Europa a 6:1 em crianças brasileiras. A maioria dos pacientes com infecção subclínica abriga parasitas viáveis por toda a vida e pode desenvolver doença de reativação no contexto de imunossupressão.
O período de incubação da leishmaniose visceral geralmente abrange dois a seis meses, podendo variar de algumas semanas a vários anos. O surgimento dos sintomas é frequentemente insidioso ou subagudo, caracterizado por uma evolução gradual de mal-estar, febre, perda de peso e esplenomegalia com ou sem hepatomegalia.
Os pacientes podem queixar-se de desconforto abdominal e plenitude que pode estar localizada no quadrante superior esquerdo. O baço geralmente é firme e minimamente sensível, mas em alguns pacientes a palpação é bastante dolorosa, provavelmente devido à pressão capsular ocasionada pelo rápido aumento. A hepatomegalia é geralmente menos acentuada que a esplenomegalia.
Como os parasitas se replicam no sistema reticuloendotelial, cargas parasitárias muito elevadas acumulam-se no baço, no fígado e na medula óssea. Anemia grave pode ocorrer devido à supressão da medula óssea, hemólise e sequestro esplênico.
A leishmaniose visceral avançada está associada à caquexia acentuada, hipoalbuminemia e edema. Mais tarde no curso da doença, podem ocorrer disfunção hepática, icterícia e ascite. A trombocitopenia e a disfunção hepática contribuem para complicações hemorrágicas. Além disso, os pacientes podem apresentar sangramento espontâneo da gengiva, mucosa nasal ou outros locais.
Complicações:
- Coagulação intravascular disseminada
- Aborto espontâneo ou leishmaniose congênita
- Linfo-histiocitose hemofagocítica
- A diarreia crônica e a má absorção podem surgir devido à invasão parasitária no intestino.
Casos graves são quase sempre letais sem tratamento. Mesmo com tratamento, as taxas de mortalidade podem ser de 10% ou mais. Icterícia, emaciação, anemia grave e coinfecção por HIV estão associadas ao aumento da mortalidade. A coinfecção por tuberculose também aumenta a taxa de mortalidade dos pacientes, mesmo na ausência de HIV.
Diagnóstico de leishmaniose visceral
O diagnóstico definitivo de leishmaniose visceral requer demonstração do parasita por histopatologia ou cultura de material obtido por aspiração com agulha ou biópsia de órgãos afetados (geralmente medula óssea ou baço). O diagnóstico histopatológico requer a visualização de amastigotas.
Métodos moleculares como reação em cadeia da polimerase (PCR), também podem ser utilizados para detectar parasitas em tecidos ou sangue periférico. A sensibilidade da PCR é maior do que para esfregaço ou cultura, mas é variável dependendo do tecido coletado.
Os testes sorológicos, incluindo testes de anticorpos fluorescentes indiretos (IFA) e ensaios imunoenzimáticos (ELISAs), também são ferramentas diagnósticas úteis. Isso porque, a infecção estimula intensa ativação de células B policlonais, levando à produção de uma ampla gama de anticorpos. No entanto, um teste sorológico positivo não é prova definitiva que a doença esteja ativa.
Em regiões onde o problema é endêmico, resultados positivos de testes de anticorpos podem ser observados entre indivíduos assintomáticos com infecção subclínica ou pacientes com recuperação clínica após tratamento bem-sucedido por meses/anos, por isso não podem ser utilizados para acompanhamento terapêutico. Dessa forma, tais resultados devem ser interpretados no contexto clínico e epidemiológico.
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Tratamento para leishmaniose visceral
O tratamento da leishmaniose visceral varia de acordo com a região, devido à suscetibilidade variável aos medicamentos. Na Europa e Américas, a melhor opção terapêutica é realizada com Anfotericina B lipossomal 3 mg/kg IV diariamente durante 7 dias. No entanto, é uma medicação de alto valor aquisitivo.
Os pacientes também devem ser avaliados para coinfecção com HIV; se encontrada, a coinfecção deve ser tratada agressivamente com terapia antiparasitária e terapia antirretroviral. Nesses casos, deve ser realizado o tratamento com anfotericina B lipossomal na dosagem de 40 mg/kg, administrada em oito doses iguais durante 24 dias.
No Brasil, os compostos antimoniais derivados pentavalentes (Sb+5) também têm sido considerados como drogas de escolha no tratamento dessa protozoose. No Brasil, a única formulação disponível é o antimoniato N-metil glucamina, que vem sendo distribuída pelo Ministério da Saúde em ampolas de 5 ml, contendo 405mg de Sb+5 (1 ml = 81mg de Sb+5).
Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado, mas sabe-se que atua nas formas amastigotas do parasita, inibindo sua atividade glicolítica e a via oxidativa de ácidos graxos. Nos últimos anos, doses progressivamente maiores dos antimoniais têm sido recomendadas pela OMS e CDC devido ao aparecimento de resistência primária do parasita a essas drogas.
No Brasil, recomenda-se o tratamento com a dose de 20mg de Sb+5 kg/dia, com aplicação endovenosa (E.V) ou intramuscular (I.M), por no mínimo 20 e no máximo 40 dias, usando o limite máximo de 2 a 3 ampolas por dia do produto, com taxas de cura satisfatórias.
Em situações mais avançadas da doença, quando a resposta clínica não é evidente nos primeiros 20 dias, recomenda-se estender o tempo mínimo de tratamento para 30 dias. Tal recomendação baseia-se no fato de que tratamentos por tempo mais prolongado têm sido necessários para lograr índices de cura satisfatórios.
Critérios de cura
Os critérios de cura são predominantemente clínicos. A remissão da febre ocorre precocemente, geralmente por volta do quinto dia de tratamento, e a diminuição do tamanho do fígado e do baço é observada nas primeiras semanas. Ao final do tratamento, o baço geralmente apresenta uma redução de 40% ou mais em relação à medida inicial.
A melhora nos parâmetros hematológicos (hemoglobina e leucócitos) manifesta-se a partir da segunda semana. As alterações evidenciadas na eletroforese de proteínas normalizam-se gradualmente, podendo levar meses. O paciente demonstra ganho ponderal visível, com retorno do apetite e melhora do estado geral.
Nessas situações, torna-se desnecessário realizar o controle por meio de exame parasitológico ao final do tratamento. O acompanhamento do paciente tratado deve ocorrer aos 3, 6 e 12 meses após o tratamento, e se permanecer estável na última avaliação, considera-se como curado.
Como prevenir?
A prevenção da Leishmaniose Visceral é efetuada mediante o combate ao inseto transmissor, podendo ser alcançada com a colaboração da população, especialmente no que diz respeito à higiene ambiental. Essa medida preventiva envolve:
- Limpeza periódica dos quintais, com remoção de matéria orgânica em decomposição, como folhas, frutos, fezes de animais e outros resíduos que propiciam a umidade do solo, ambiente propício para o desenvolvimento dos mosquitos transmissores.
- Destino apropriado do lixo orgânico, evitando o desenvolvimento de larvas de mosquitos.
- Limpeza dos abrigos de animais domésticos e manutenção desses animais afastados do domicílio, especialmente durante a noite, a fim de reduzir a atração dos flebotomíneos para dentro da residência.
- Uso de inseticidas, aplicados nas paredes de domicílios e abrigos de animais, principalmente em regiões com elevado número de casos de leishmaniose visceral.
Conclusão
A leishmaniose visceral apresenta-se como uma doença complexa, cujo diagnóstico e tratamento exigem uma abordagem clínica cuidadosa, necessitando de um seguimento pós-tratamento para a avaliação da estabilidade do paciente. É essencial ressaltar a complexidade do ciclo da leishmaniose, sua sensibilidade a fatores ambientais e a relevância de medidas preventivas eficazes para controlar e combater efetivamente essa enfermidade.
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