Cardiologia
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Doença de Chagas: transmissão, sintomas e tratamentos

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Equipe medclub
Publicado em
14/5/2025
 · 
Atualizado em
14/5/2025
Índice

A doença de Chagas é uma das doenças tropicais negligenciadas reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde, diante das suas insuficientes investidas dos governos e agências de saúde. Ainda que a doença seja endêmica em 21 regiões na América Latina, o processo de globalização facilitou a entrada da doença em outros países como na América do Norte e na Europa. Diante da prevalência no Brasil, é indispensável que todos os médicos do país saibam conduzir e lidar com pacientes que têm a doença de Chagas. 

O que é a doença de Chagas?

A doença de Chagas é causada pela infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A doença foi descoberta por volta de 1907, por Carlos Chagas, e foi considerada única na história da medicina por incluir todo o ciclo da doença. A respeito da descoberta, o sanitarista Oswaldo Cruz declarou: “O descobrimento desta moléstia constitui o mais belo exemplo do poder da lógica a serviço da ciência. Nunca até agora, nos domínios das pesquisas biológicas, se tinha feito um descobrimento tão complexo e brilhante e, ainda mais, por um só pesquisador”. 

Foto tirada em 1925, em que Carlos Chagas recebe Einstein ao lado de outros pesquisadores e Manguinos em uma das varandas do castelo mourisco. Fonte: acervo FIOCRUZ

A cardiomiopatia chagásica crônica é uma das principais complicações da doença, presente em 20% a 40% dos infectados, porém outras manifestações podem estar presentes, como arritmias, acidente vascular cerebral, bloqueios cardíacos, tromboembolismo, insuficiência cardíaca e morte súbita. Além das complicações cardíacas, é válido mencionar outras complicações, tais como: megacólon, megaesôfago e disfunções do sistema nervoso autônomo. 

Epidemiologia 

As regiões Norte e Nordeste são consideradas áreas endêmicas diante das condições favoráveis ao ciclo de transmissão do parasita. Fonte: Brasil61
As regiões Norte e Nordeste são consideradas áreas endêmicas diante das condições favoráveis ao ciclo de transmissão do parasita. Fonte: Brasil61

A doença de Chagas é endêmica em 21 regiões da América Latina. Dessas regiões, a que possui a maior incidência é o Chaco Boliviano, com uma taxa de infecção de 4% ao ano, sendo a principal causa de cardiomiopatia não isquêmica no país. Já no Brasil, ainda que tenha uma distribuição desigual, cerca de 95,3% dos novos casos da doença ocorrem na região Norte, sendo o estado do Pará o que registrou o maior número de casos (1.793 casos reportados entre 2008 e 2017). Enquanto isso, o Distrito Federal e os estados do Piauí, Espírito Santo e Rio de Janeiro relataram apenas um caso cada. 

Vários programas de controle de vetores foram implementados no século XXI, o que foi responsável pela erradicação da transmissão vetorial em muitos países da América Latina, como Uruguai, Chile e algumas regiões do Brasil. 

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Transmissão da doença de Chagas 

Como foi dito, o agente etiológico de Chagas é o Trypanosoma cruzi. Esse protozoário, por sua vez, pode ser transmitido para o homem por diferentes meios, sendo a principal delas a transmissão vetorial. 

Transmissão vetorial 

A transmissão vetorial se dá a partir de um vetor biológico, popularmente chamado de “barbeiro”. Esse inseto triatomíneo, quando infectado, pode entrar em contato com o homem e, ao alimentar-se do seu sangue, irá defecar e liberar o protozoário nas suas fezes. O protozoário poderá entrar pelo local da ferida da picada, pela mucosa dos olhos, nariz e boca, ou até por ferimentos ou cortes prévios na pele. 

Foto do triatomíneo, conhecido como barbeiro, responsável pela transmissão do  Trypanosoma cruzi. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde MS 
Foto do triatomíneo, conhecido como barbeiro, responsável pela transmissão do  Trypanosoma cruzi. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde MS 

Um sinal muito conhecido e importante na semiologia é o Sinal de Romaña, o qual é indicativo de transmissão vertical e infecção da doença de Chagas. Ele se manifesta por edema inflamatório unilateral das pálpebras, podendo ocorrer em cerca de 10% a 20% dos casos quando a contaminação ocorre na mucosa ocular. 

Sinal de Romaña em uma menina procedente de área endêmica no Brasil. Fonte: Rey (2001) 
Sinal de Romaña em uma menina procedente de área endêmica no Brasil. Fonte: Rey (2001) 

Transmissão Vertical 

Atualmente, representando cerca de 22% das novas infecções por Chagas, tal transmissão se dá pela transmissão de mãe para filho, o que pode se dar tanto por uma infecção prévia à gestação ou durante a gravidez. Ainda assim, tal taxa de transmissão relatada de mães infectadas para o feto pode variar de 1% a 10%. 

O diagnóstico de mulheres em idade reprodutiva é extremamente importante, pois o tratamento de mulheres antes da gravidez reduz o risco de transmissão em cerca de 95%, uma vez que a transmissão vertical apresenta maiores probabilidades de ocorrer quando a portadora apresenta maiores cargas parasitárias (que pode se dar, principalmente, em casos de idade materna mais jovem ou infecção pelo HIV). 

ATENÇÃO! Os medicamentos antitripanossômicos são contraindicados durante a gravidez e durante a lactação, com exceção de mulheres imunocomprometidas.

Amamentação 

Infelizmente, não existem dados suficientes para estimar o risco de transmissão da doença de Chagas. Contudo, apesar de aparentemente o risco ser baixo, nos casos de mães com a forma aguda ou que estejam reativadas, a amamentação deve ser desaconselhada. Já em casos de mulheres com a forma crônica da doença, a amamentação pode ser feita, com exceção de momentos em que as mulheres apresentarem fissuras ou sangramentos no mamilo

Transmissão oral 

A transmissão oral ocorre pela ingestão de alimentos ou bebidas contaminadas pelo tripomastigota em triatomíneos infectados ou pelas suas fezes. No Brasil, esse tipo de transmissão se dá principalmente pelo fruto do açaí, suco de goiaba ou preparados feitos pelo caldo da cana-de-açúcar

Transmissão de sangue 

Atualmente, a transmissão da doença de Chagas por transfusão sanguínea é extremamente rara, graças às medidas de controle implementadas em bancos de sangue, a partir de métodos sorológicos com alta sensibilidade. Segundo dados do Ministério da Saúde, desde a universalização da triagem, a transmissão transfusional é considerada eliminada como um problema de saúde pública. 

Transplante de órgãos

Assim como na transmissão sanguínea, a transmissão por transplante de órgãos também é considerada rara graças às medidas de triagem adotadas no nosso sistema de saúde. Ainda assim, quando uma triagem adequada não ocorre, essa transmissão pode ocorrer. 

Manifestações clínicas da doença de Chagas 

A doença de Chagas apresenta três fases clínicas: a fase aguda, indeterminada e crônica.

Fase Aguda 

Após o contágio, o indivíduo passa por um período de incubação de 1 a 2 semanas, e depois entra na fase aguda da doença, que apresenta uma duração de 6 a 8 semanas. Na maioria das vezes, a pessoa não apresenta sintomas evidentes. 

Dos sintomas possíveis, pode haver: febre, mal-estar, dor muscular, hepatomegalia, esplenomegalia, vômitos, diarreia e anorexia. Quanto aos sinais, temos o sinal de Romaña e a presença de chagomas, que são lesões cutâneas no local em que houve a infecção. 

Chagoma de inoculação. Fonte: Accidental infection by Trypanosoma cruzi follow-up by the polymerase chain reaction: case report
Chagoma de inoculação. Fonte: Accidental infection by Trypanosoma cruzi follow-up by the polymerase chain reaction: case report

As complicações mais graves, como miocardite e meningoencefalite, não são muito frequentes (menos de 1% dos casos), sendo mais comuns quando a infecção ocorre por meio da transmissão oral. 

Fase indeterminada 

Passada a fase aguda, a maioria dos pacientes entra em uma fase indeterminada, assim chamada por ser marcada pela ausência de sintomas e alterações em exames como ECG e radiografia de tórax. Ainda que assintomáticos, esses pacientes são soropositivos para o T. cruzi.

O paciente pode ficar décadas ou até o resto da vida nessa fase, apresentando um ótimo prognóstico. Porém, com o passar do tempo, cerca de 30% a 40% dos pacientes podem progredir para as formas clínicas da doença

Forma cardíaca 

A forma cardíaca, conhecida como Cardiomiopatia Chagásica Crônica (CCC), é a complicação mais comum da doença de Chagas (ocorrendo em cerca de 20% a 40% dos infectados). Ainda hoje, Chagas é a causa mais comum de cardiomiopatia não isquêmica na América Latina

Os pacientes com CCC podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas, como: dispneia aos esforços, fadiga, palpitações, tonturas, dor torácica e edema. Quanto aos sinais, é frequente que eles possam apresentar: sopros de regurgitação mitral e/ou tricúspide, ampla divisão do segundo som cardíaco por bloqueio de ramo direito e impulso apical difuso proeminente

Pessoas que desenvolvem a forma cardíaca da doença de Chagas podem ser acometidos, principalmente por 4 tipos de distúrbios: insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas, tromboembolismo (sistêmico e pulmonar) e síndrome da dor torácica

Forma digestiva 

A forma digestiva é bem menos frequente, podendo se manifestar em torno de 10% das pessoas que entram na fase crônica. Essa forma se manifesta a partir da presença de megacólon e/ou megaesôfago chagásico, sendo o envolvimento esofágico mais comum do que o colônico

Quanto às manifestações esofágicas, podemos pensar que são semelhantes às dos pacientes com acalásia idiopática. A progressão dos sintomas são bem lentas: a pessoa inicia com dificuldade para deglutir sólidos e, com o passar dos anos, pode evoluir para líquidos também. Posteriormente, pode-se chegar inclusive em uma fase em que os alimentos podem começar a ficar alojados no esôfago, causando dor retroesternal, devido à irritação local, ulceração, sangramento, perfuração e fístulas

Já nas manifestações colônicas, temos a constipação intestinal como uma das principais razões para a busca médica. Assim como na esofágica, a colônica também apresenta progressão bem lenta: a constipação vai piorando até que a evacuação se torne uma tarefa quase impossível. Alguns sintomas também acompanham a constipação, como inchaço, dor abdominal e cólica. 

Forma associada ou mista 

A forma mista, também chamada de cardiodigestiva, ocorre quando há ocorrência concomitante de lesões no aparelho circulatório e digestivo

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Diagnóstico

O diagnóstico da doença de Chagas varia de acordo com a fase em que a doença se encontra.

Doença de Chagas aguda 

Na fase aguda da doença, o mais indicado seria o diagnóstico por meio de exame parasitológico, por ser capaz de identificar o protozoário, que estará circulando no sangue periférico. Dentre esses, os mais indicados são a pesquisa a fresco, métodos de concentração e a lâmina corada de gota espessa. 

Além disso, alguns exames como ECG podem detectar algumas alterações precoces, tais como taquicardia sinusal, baixa voltagem do QRS e prolongamento dos intervalos PR e QT. 

Fotomicrografia de uma amostra de sangue com 3 parasitas flagelados de Trypanosoma cruzi. Fonte: Lecturio 
Fotomicrografia de uma amostra de sangue com 3 parasitas flagelados de Trypanosoma cruzi. Fonte: Lecturio 

Fase indeterminada 

Na fase indeterminada, como o nível de parasitemia é muito baixo, os testes sorológicos passam a ser os mais indicados: imunofluorescência indireta; ELISA e hemaglutinação indireta. 

Fase crônica 

Para fazer o diagnóstico da doença de Chagas já em uma fase crônica, não podemos deixar de ficar atentos às manifestações clínicas e dos dados clínicos, como presença de bloqueio de ramo direito no ECG e cardiomegalia ao RX do tórax, e dados epidemiológicos, como procedência de áreas endêmicas para Chagas

Contudo, assim como para a fase indeterminada, o diagnóstico definitivo se dá por meio de exame de sangue. Nos exames sorológicos, buscam-se a presença de anticorpos que o organismo gerou contra o parasita, sendo o mais comum o teste ELISA

Tratamento para a doença de Chagas 

O tratamento da doença de Chagas vai variar conforme a fase clínica e o grau de acometimento. 

Fase aguda 

Nesta etapa, todos os pacientes deverão receber tratamento antiparasitário, sendo as principais drogas de escolha o Benznidazol e nifurtimox, por reduzirem a duração e a intensidade dos sintomas consideravelmente, além de possuírem alta taxa de cura parasitária (60% a 90%). 

Fase indeterminada e crônica

O tratamento da doença de Chagas nas fases indeterminada e crônica permanece sendo bastante controverso. O que se tem de consenso é que o tratamento com essas drogas também são indicados em casos de reativação da doença.  

Algumas literaturas defendem também o uso de antiparasitários no caso de mulheres em idade fértil para prevenir a transmissão vertical. Porém, essa decisão depende de vários outros fatores, como se a mulher mora em algum lugar endêmico.  

Além disso, apesar dos avanços no controle vetorial e em programas de diagnóstico, ainda não há um tratamento específico para cardiomiopatia chagásica. Nesses casos, se faz um manejo convencional da insuficiência cardíaca e no controle de arritmias, ou transplante cardíaco nos casos mais avançados. A mesma lógica serve para pacientes que desenvolvem a forma digestiva. 

Prevenção 

A prevenção da doença de Chagas é pautada principalmente em medidas de controle do barbeiro, somado a implementação de atividades de educação em saúde voltadas para a população local em regiões endêmicas, tais como: 

  • Melhora da habitação, rebocando as paredes e tampando possíveis rachaduras e frestas; 
  • Uso de telas em portas e janelas; 
  • Evitar acúmulo de lenhas, telhas ou outros entulhos em casa ou ao seu arredor; 
  • Sempre estar em dia com a limpeza na casa e em seu arredor; 
  • Higienizar adequadamente alimentos consumidos crus, especialmente frutas e sucos.

Conclusão 

A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, é endêmica na América Latina, mas devido à globalização tem alcançado outros continentes. Sua transmissão ocorre principalmente pelo vetor triatomíneo, além de vias como transmissão vertical e alimentos contaminados. 

Muitas vezes assintomática na fase aguda, pode evoluir para complicações crônicas graves, como cardiomiopatia chagásica e megasíndromes digestivas. O diagnóstico varia entre métodos parasitológicos e sorológicos, enquanto o tratamento antiparasitário é mais eficaz na fase aguda, sendo o manejo da fase crônica focado no controle de complicações. A prevenção é baseada no controle vetorial, triagem de doadores e cuidados com alimentos, sendo essencial para conter essa doença negligenciada.

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