A acalasia, embora seja uma doença esofágica relativamente rara, apresenta-se como um tema de grande relevância para médicos e estudantes de medicina. Sua fisiopatologia, marcada pela falha na relaxação do esfíncter esofágico inferior e pela perda da motilidade esofágica, gera manifestações clínicas que podem ser confundidas com outras condições gastrointestinais mais comuns. Reconhecer seus sinais e sintomas, compreender os métodos diagnósticos adequados e conhecer as opções de tratamento disponíveis são aspectos fundamentais para oferecer um cuidado de qualidade ao paciente.
O que é acalasia?
Acalasia é um distúrbio de motilidade esofágico marcado pela degeneração progressiva das células ganglionares no plexo mioentérico na parede esofágica, levando à falha do relaxamento do Esfíncter Esofágico Inferior (EEI). Isso pode ser acompanhado por motilidade anormal no corpo do esôfago.

O que causa acalasia?
Como foi dito, o que causa a acalasia é a degeneração das células ganglionares do plexo mioentérico no esôfago distal e no esfíncter esofágico inferior. Na acalasia primária ou idiopática, o que provoca tal degeneração ainda não é conhecido, porém algumas possíveis causas incluem: transtorno autoimune, infecções, condições neurodegenerativas e predisposição genética. Já a acalasia secundária, ocorre devido a doenças que causam anormalidades motoras esofágicas semelhantes ou idênticas às da acalasia primária.
No Brasil, uma das principais causas do tipo secundário é a doença de Chagas, a partir da infecção esofágica do Trypanosoma cruzi, que provoca a perda das células ganglionares intramurais. Outras doenças conhecidas são: amiloidose, neurofibromatose, esofagite eosinofílica, neoplasia endócrina múltipla tipo 2B, doença de Sjogren juvenil, pseudo-obstrução intestinal idiopática crônica, sarcoidose e doença de Fabry.
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Sinais e sintomas de acalasia
A apresentação clínica da acalasia possui início bastante insidioso, ao ponto de que muitos pacientes só buscam ajuda médica anos após o início da sintomatologia. Outro fator que acaba por atrasar mais ainda o diagnóstico dessa condição é a má interpretação das características clínicas típicas, em que os pacientes acabam sendo tratados para outros distúrbios, como Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE).
Dentre os sintomas mais frequentes, estão:
- Disfagia para sólidos (91% dos pacientes)
- Disfagia para líquidos (85%)
- Regurgitação de alimentos insípidos não digeridos ou saliva (76 a 91%)
- Azia (75%)
O paciente pode ainda relatar dificuldade para arrotar devido ao defeito no relaxamento do esfíncter esofágico superior (que também pode ser visto), além de relatar episódios eméticos provocados para aliviar sensação de plenitude retroesternal pós alimentação, soluços e dor torácica.
Outros sintomas menos comuns e não esofágicos são: tosse ou asma; rouquidão ou dor de garganta; aspiração crônica e perda de peso não intencional.
Diagnóstico
A suspeita de acalásia deve ser tomada naqueles pacientes que apresentam disfagia para sólidos e líquidos, que não respondem a um teste de terapia com inibidor da bomba de prótons, que ficam com alimentos retidos no esôfago ou ainda, que apresentam aumento anormal da resistência à passagem de um endoscópio pela junção esofagogástrica.
Ocasionalmente, os pacientes poderão ser diagnosticados de forma incidental durante exames de imagem com tomografia computadorizada, onde poderá ser observada a dilatação esofágica. Porém, o principal exame de escolha para diagnóstico é a manometria esofágica, o único que consegue detectar alterações precoces antes que ocorra a dilatação do esôfago.

Existem a manometria convencional e a de alta resolução. Ambas são capazes de diagnosticar a acalasia, contudo a de alta resolução é preferida, uma vez que é capaz de categorizar em subtipos, o que nos ajuda no prognóstico e tratamento da doença.
Se houver suspeita de disfagia esofágica, o médico poderá realizar endoscopia digestiva alta ou esofagograma baritado para descartar outras causas que justifiquem os sintomas, como DRGE, malignidade e obstrução estrutural ou mecânica, como estenose ou anéis. Os achados no esofagograma de bário que sugere acalasia são: dilatação do esôfago, junção esofagogástrica estreita com aparência de “bico de pássaro”, peristaltismo e esvaziamento retardado de bário.

ATENÇÃO! O esofagograma de bário não é um teste sensível para acalasia, podendo ser interpretado como normal em até ⅓ dos pacientes.
Os achados manométricos de diagnóstico são relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior, através da pressão de relaxamento integrada acima do limite superior do normal, e aperistalse nos dois terços distais do esôfago.

Na manometria acima os traçados apresentam um marcador de deglutição e registros de pressão em cinco pontos do corpo esofágico, além do esfíncter esofágico inferior (LES) e do estômago, durante três deglutições de 5 mL de água (WS5M). Após as deglutições, observa-se que a pressão do LES não diminui até alcançar a pressão gástrica.
As ondas de pressão no corpo esofágico são simultâneas e, nos canais adjacentes, frequentemente apresentam características isobáricas (similares, como uma imagem espelhada). A pressão basal entre as deglutições está aumentada, assim como, ocasionalmente, a pressão basal do LES.
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Tipos
A acalasia apresenta três tipos principais, que vão ser classificados com base na manometria esofágica de alta resolução, conforme classificação de Chicago. Os tipos refletem diferentes padrões de disfunção motora e ajudam a orientar o manejo clínico. São eles:
Tipo I (clássica)
- Caracterizado pela ausência de contrações peristálticas no esôfago.
- Há relaxamento incompleto do esfíncter esofágico inferior, sem aumento significativo na pressão do corpo esofágico
- Representa cerca de 20% a 40% dos casos
- Associado a uma maior dilatação esofágica e sintomas mais avançados
Tipo II (com compressão esofágica)
- É o tipo mais comum, representando de 50% a 70% dos casos
- Caracteriza-se por contrações não peristálticas simultâneas, associadas ao aumento da pressão intraluminal no esôfago
- Os pacientes geralmente respondem melhor ao tratamento, como a miotomia ou a dilatação pneumática.
Tipo III (espástica)
- Caracteriza-se pela presença de contrações esofágicas prematuras (espasmos), com alta amplitude, duração ou repetição
- É o tipo menos comum, representando cerca de 5% a 10% dos casos
- Os sintomas frequentemente incluem dor torácica e disfagia, sendo mais desafiador para o tratamento.
Tratamento para acalasia
A acalasia não apresenta cura, porém o tratamento deve ser feito visando diminuir a pressão de repouso do esfíncter esofágico inferior, a um nível que ele não impeça mais a passagem do material ingerido, possibilitando alívio dos sintomas, melhora no esvaziamento esofágico e uma redução da dilatação do esôfago. A eficácia dos tratamentos tendem a diminuir com o tempo, fazendo com que os pacientes tenham que ter acompanhamento a longo prazo, inclusive repetindo terapias já feitas ou realizando tratamentos alternativos.
As opções de tratamento incluem ruptura mecânica das fibras musculares do Esfíncter Esofágico Inferior, que pode ser feito pela dilatação pneumática ou miotomia de Heller laparoscópica e miotomia endoscópica peroral (POEM). Outro tipo de tratamento se dá pela redução bioquímica na pressão do EEI, através da injeção de toxina botulínica ou pelo uso de nitratos orais.
Embora a toxina botulínica tenha boas taxas de sucesso, inclusive comparáveis à dilatação pneumática e à cirurgia, eles apresentam mais recaídas e de forma mais frequente se comparada às outras terapias. Dessa forma, se os pacientes são candidatos cirúrgicos, as melhores opções de tratamento são dilatação pneumática, miotomia cirúrgica ou POEM.
A dilatação pneumática por balão, miotomia cirúrgica e POEM possuem taxa de sucesso comparável para tratar a acalasia tipo I e II. Porém, para o tipo III, várias literaturas apontam a POEM como a melhor opção.
Dilatação Pneumática
Trata-se de um procedimento não cirúrgico, mas que deve ser feito em pessoas aptas a fazerem cirurgia, pois perfurações relacionadas à dilatação pneumática podem exigir reparo cirúrgico. Ela promove uma dilatação forçada, enfraquecendo o Esfíncter Esofágico Inferior por estiramento circunferencial ou ruptura de suas fibras musculares. O tratamento deve ser feito por endoscopista experiente.
Miotomia cirúrgica
Nela, o enfraquecimento do EEI se dá pelo corte de suas fibras musculares, sendo vista como a principal alternativa à dilatação pneumática para acalásia. Ela é feita por videolaparoscopia e juntamente com o procedimento cirúrgico, deve ser feito um procedimento antirrefluxo, pois a técnica pode causar esofagite de refluxo. A miotomia cirúrgica possui altas taxas de sucesso, sendo uma das que mais causam alívio duradouro nos pacientes.
Miotomia Endoscópica Peroral (POEM)
Técnica minimamente invasiva que utiliza endoscópio para cortar as fibras musculares do EEI. É mais indicada para o tipo III, pois ela tem capacidade de abordar mais extensamente o músculo esofágico, incluindo o segmento superior, onde ocorre a maior parte das contrações espásticas características desse tipo de acalasia.
Toxina Botulínica
A injeção de toxina botulínica no Esfíncter Esofágico Inferior promove relaxamento temporário do esfíncter, sendo uma opção para pacientes idosos ou com contraindicações a procedimentos mais invasivos. Ele possui eficácia mais limitada, com alta taxa de recorrência dos sintomas, geralmente necessitando de reaplicações frequentes.
Conclusão
A acalasia é um distúrbio de motilidade esofágico raro, mas de grande relevância clínica, devido à sua complexidade e aos desafios no diagnóstico e tratamento. Classificada em três subtipos, a doença apresenta sintomas como disfagia, regurgitação e dor torácica, que podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
Quanto ao diagnóstico, temos como padrão-ouro a manometria esofágica, porém outros exames como o esofagograma baritado e a endoscopia digestiva alta podem ser úteis, inclusive para excluir diagnósticos diferenciais. Embora não tenha cura, a acalasia conta com várias opções terapêuticas que visam aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Entre elas, destacam-se a dilatação pneumática, a miotomia de Heller laparoscópica, a miotomia endoscópica peroral (POEM) e a injeção de toxina botulínica.
Continue aprendendo:
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FONTES:
- DynaMed. Achalasia. EBSCO Information Services. Acessado em 27 de novembro de 2024.
- Zaninotto G, Bennett C, Boeckxstaens G, et al. The 2018 ISDE achalasia guidelines. Dis Esophagus 2018; 31.
- Kahrilas PJ, Bredenoord AJ, Carlson DA, Pandolfino JE. Advances in Management of Esophageal Motility Disorders. Clin Gastroenterol Hepatol 2018; 16:1692.
- Spiess AE, Kahrilas PJ. Treating achalasia: from whalebone to laparoscope. JAMA 1998; 280:638.
- Khashab MA, Vela MF, Thosani N, et al. ASGE guideline on the management of achalasia. Gastrointest Endosc 2020; 91:213.
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